Triagem virtual revela novos inibidores de enzima relacionada com Inflamação
Pesquisadores do CEPID Redoxoma identificaram novos inibidores da enzima 15-lipoxigenase-2 humana (h15-LOX-2), por meio de triagem virtual. Essa enzima desempenha papéis importantes em processos inflamatórios e metabólicos, além de contribuir para a homeostase celular. A descoberta de inibidores da h15-LOX-2 pode abrir novos caminhos para investigar as funções biológicas e patológicas dessa enzima, além de fornecer candidatos promissores para o desenvolvimento de novos fármacos.
“Apesar da h15-LOX-2 ter um papel potencial como alvo biológico, ela tem sido muito pouco explorada com essa finalidade. Nosso trabalho contribui com novos inibidores que têm diversidade estrutural entre si e em relação a inibidores já descritos na literatura. E, além disso, eles apresentam propriedades fármaco-similares, segundo as predições baseadas em modelos computacionais,” afirmou Lucas G. Viviani, principal autor do artigo publicado no Journal of Medicinal Chemistry. Viviani é pós-doutorando no Laboratório de Lipídeos Modificados e Bioquímica Redox do Instituto de Química da USP, sob a supervisão da professora Sayuri Miyamoto.
A h15-LOX-2 pertence à família das lipoxigenases (LOXs), enzimas que catalisam a oxidação ácidos graxos poli-insaturados, formando hidroperóxidos específicos. Em seres humanos, seis isoformas de LOX têm papéis especializados em diferentes tecidos, regulando processos como inflamação, proliferação celular e regulação do estado redox intracelular. A h15-LOX-2 é expressa predominantemente em macrófagos, pele, córnea, pulmões e próstata, onde catalisa a conversão do ácido araquidônico em um composto que influencia significativamente respostas inflamatórias e celulares.
“Na cascata de inflamação, a h15-LOX-2 é uma das poucas enzimas capazes de atuar sobre lipídios complexos. Ela pode oxidar membranas e ésteres de colesterol, enquanto a maioria das lipoxigenases atua em ácidos graxos livres. Escolhemos estudar essa enzima também por suas particularidades em termos de atividade enzimática,” afirmou Miyamoto.
Triagem virtual e validação experimental
A triagem virtual é uma técnica que emprega métodos computacionais para selecionar compostos com potencial atividade biológica em grandes bancos de dados. Neste estudo, os pesquisadores partiram de um banco contendo oito milhões de compostos pré-filtrados para propriedades fármaco-similares, considerando fatores como absorção, distribuição, metabolismo, excreção e toxicidade. Em seguida, aplicaram filtros sequenciais baseados em diferentes abordagens metodológicas, para simplificar o processo.
“Um ponto bastante importante desse trabalho foi o uso de um filtro baseado em similaridade de formato molecular como passo inicial, fundamentado na ideia de que há uma complementaridade de formato entre um composto de baixa massa molecular - como o inibidor - e o seu sítio de ligação na proteína-alvo. Uma vantagem desse método é que mesmo compostos que compartilham o mesmo formato podem apresentar estruturas diferentes. Como um dos nossos objetivos era selecionar compostos estruturalmente diferentes dos inibidores já existentes, essa etapa foi fundamental para o sucesso de nossa abordagem,” explicou Viviani.
O segundo filtro priorizou a dissimilaridade estrutural, aumentando ainda mais a diversidade dos compostos selecionados. A diversidade estrutural é importante para o desenvolvimento de um fármaco, porque muitas etapas devem ser consideradas após a descoberta de um inibidor. Começar com um conjunto mais amplo de estruturas aumenta a probabilidade de desenvolver um fármaco com sucesso.
Após essa etapa, os cientistas usaram o método de docking, que simula como os compostos se ligam no sítio ativo da enzima, e analisaram os resultados por inspeção visual. Ao término da triagem virtual, 39 compostos foram identificados como potenciais inibidores da h15-LOX-2. Destes, 14 foram submetidos a ensaios enzimáticos para avaliar sua atividade inibitória e seis se mostraram promissores. Por fim, dois inibidores foram identificados como os mais potentes e selecionados para otimização posterior.
“O que nos surpreendeu foi observar experimentalmente que esses dois compostos tiveram um mecanismo de inibição do tipo misto. Isso significa que, possivelmente, esses compostos, além de se ligarem à enzima livre, também poderiam se ligar ao complexo enzima-substrato”, afirmou Viviani.
Para realizar os ensaios enzimáticos in vitro e validarem experimentalmente os resultados obtidos por triagem virtual, os pesquisadores expressaram e purificaram a enzima h15-LOX-15 em colaboração com o grupo do pesquisador Luis Netto, do Instituto de Biociências da USP e membro do CEPID Redoxoma.
Papéis fisiológicos e patológicos
Os papéis fisiológicos específicos da h15-LOX-2 ainda estão sendo investigados. A enzima está envolvida na biossíntese de mediadores lipídicos inflamatórios e na formação de placas ateroscleróticas. Estudos indicam que a expressão da enzima é significativamente maior em lesões ateroscleróticas da artéria carótida humana em comparação com artérias saudáveis. Além disso, evidências apontam para uma possível associação entre a h15-LOX-2 e o desenvolvimento de determinados tipos de câncer.
No câncer de próstata, por exemplo, a enzima parece suprimir a formação de tumores. “Estudos mostram que, em células saudáveis da próstata, a h15-LOX-2 é expressa em nível constitutivo, enquanto em células tumorais sua expressão é reduzida. Várias evidências apontam um papel de supressor tumoral dessa enzima,” afirmou Thais S. Iijima, estudante de mestrado e co-primeira autora do artigo.
Além disso, a h15-LOX-2 e outras enzimas LOX podem estar envolvidas na ferroptose, uma forma de morte celular dependente de ferro associada à peroxidação lipídica. Nesse caso, a inibição da enzima poderia ser benéfica.
A enzima também pode estar relacionada com a regulação da senescência celular em células epiteliais e desempenhar um papel na homeostase do colesterol em macrófagos, conforme descrito em estudos recentes.
“De uma forma geral, há poucos estudos sobre a h15-LOX-2. Os inibidores são importantes, porque com eles é possível manipular a atividade da enzima em células, o que ajudaria a entender melhor seu papel biológico,” afirmou Miyamoto.
Próximos passos
Agora, os pesquisadores planejam propor alterações estruturais nos compostos identificados, para aumentar sua potência inibitória. “Outro objetivo é melhorar algumas propriedades físico-químicas, como, por exemplo, a solubilidade em meio aquoso, o que poderia favorecer suas propriedades farmacocinéticas”, disse Viviani.
Miyamoto enfatizou que mais testes são necessários. “Além de melhorar a eficiência, os inibidores precisam ser testados em células e modelos animais, para confirmar que eles atingem a enzima alvo e agem como pretendido.“
O artigo Identification of Novel Human 15-Lipoxygenase-2 (h15-LOX-2) Inhibitors Using a Virtual Screening Approach, de Lucas G. Viviani, Thais S. Iijima, Erika Piccirillo, Leandro Rezende, Thiago G. P. Alegria, Luis Eduardo S. Netto, Antonia T.-do Amaral e Sayuri Miyamoto, pode ser lido aqui.