Produtos derivados da foto-oxidação de lipídios induzem a morte de células de melanoma
O melanoma é o tipo mais agressivo de câncer de pele. Embora menos comum, é o mais grave, devido ao seu alto potencial de provocar metástases. Apesar dos benefícios da luz solar para a saúde, a exposição prolongada ao sol é o principal fator de risco para o desenvolvimento da doença. O excesso de radiação induz estresse oxidativo e inflamação nas células da pele por meio de reações de foto-oxidação.
Tanto a luz ultravioleta e quanto a luz visível podem ativar fotossensibilizadores presentes naturalmente nos tecidos. Esse processo converte energia luminosa em química, gerando espécies reativas de oxigênio, que danificam biomoléculas, como os lipídios das membranas celulares. No entanto, essas reações também podem ser exploradas para fins terapêuticos, como a terapia fotodinâmica, que tem como alvo células tumorais ou patógenos.
Agora, pesquisadores do CEPID Redoxoma liderados pela professora Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química da USP, descobriram que endoperóxidos derivados da oxidação de ergosterol e 7-dehidrocolesterol (7-DHC) - ambos lipídios da classe dos esteróis- induzem a morte de células de melanoma. Esses endoperóxidos associados à terapia fotodinâmica podem abrir possibilidades para o desenvolvimento de novas formulações, incluindo nanopartículas, como potenciais alternativas para o tratamento do melanoma.
“O grande desafio do melanoma é sua progressão muito rápida. Embora não seja a primeira opção de tratamento, a terapia fotodinâmica está tendo bastante atenção, por ser menos invasiva do que os métodos convencionais de tratamento, como a cirurgia. Nosso foco nesse trabalho foi otimizar a terapia fotodinâmica e, para isso, precisávamos entender o que acontece nas membranas celulares,” afirmou Megumi Nishitani Yukuyama, principal autora do artigo publicado na revista Photochemistry and Photobiology.
Esse resultado faz parte de um estudo mais amplo com o objetivo compreender os mecanismos por trás dos danos oxidativos induzidos pela luz nas membranas celulares. Os pesquisadores analisaram e compararam como a foto-oxidação dos tipos I e II do ergosterol, do 7-DHC e do colesterol afeta as membranas celulares. Além disso, identificaram e caracterizaram os principais produtos formados durante esses processos de oxidação.
“Esse estudo é importante para entender o mecanismo de oxidação desses esteróis nas membranas quando expostas a diferentes oxidantes. Ele também nos ajuda a determinar quais produtos são formados e quais os efeitos desses produtos oxidados na integridade das membranas,” afirmou Miyamoto.
Esteróis e foto-oxidações
Um achado novo da pesquisa foi que a permeabilidade das membranas celulares muda de acordo com o tipo de dano oxidativo. Todas as células são envolvidas por uma membrana celular composta por uma bicamada lipídica associada a proteínas. A base estrutural da bicamada é formada por fosfolipídios, que são suscetíveis a oxidações. Essas oxidações podem comprometer a integridade da membrana, aumentando a permeabilidade e potencialmente levando à morte celular.
As reações de foto-oxidação são classificadas por dois mecanismos principais. Na reação do tipo I são formadas espécies radicais reativas, como o ânion radical superóxido e radicais hidroperoxila. No tipo II há a produção de oxigênio molecular singlete, uma forma altamente reativa de oxigênio.
O estudo revelou que, em oxidações radicalares (tipo I), os esteróis ergosterol e 7-DHC oferecem maior proteção às membranas do que o colesterol. No entanto, em oxidações mediadas por oxigênio singlete (tipo II), o colesterol se mostrou mais eficaz.
Isso sugere que, em oxidações do tipo II, o colesterol funciona como um antioxidante. “Ele organiza a membrana de tal forma que o oxigênio singlete não consegue acessar os lipídios insaturados que, de outra forma, seriam oxidados. Esse ensaio demonstrou que o colesterol é muito importante para proteger as membranas celulares contra danos induzidos pela luz,” explicou Miyamoto.
No entanto, ao proteger as membranas, esses esteróis são oxidados, gerando vários produtos, dentre os quais os endoperóxidos. O estudo mostrou que endoperóxidos derivados de 7-DHC e de ergosterol são os mais estáveis nesses processos. “No trabalho que publicamos no ano passado na Nature, mostramos que o 7-DHC funcionava como um antioxidante, protegendo as células contra a morte por ferroptose em reações de oxidação radicalares. Mas, ao exercer essa função, ele se oxida e gera diversos produtos,” disse Miyamoto.
O 7-DHC é um precursor do colesterol e ambos são esteróis comuns nos mamíferos. Já o ergosterol é um esterol encontrado em leveduras, com estrutura semelhante ao 7-DHC. Quando oxidado, ele também gera endoperóxidos. Segundo Yukuyama, “A literatura sobre o ergosterol era meio controversa. Por isso fizemos um estudo comparativo para esclarecer os mecanismos dos efeitos protetores ou danosos desses esteróis.“
Eles também avaliaram a viabilidade de células de melanoma A375 tratadas com 7-DHC, ergosterol e seus endoperóxidos gerados com terapia fotodinâmica, um processo que induz oxidação do tipo I e do tipo II. O mais interessante foi que os endoperóxidos de ergosterol e 7-DHC produzidos pelo oxigênio singlete se mostraram mais eficazes em eliminar células de melanoma do que suas moléculas precursoras.
“A seguir, pretendemos investigar como diferentes concentrações de endoperóxidos e doses variáveis de radiação influenciam seus efeitos. O estudo abriu portas para vários questionamentos,” concluiu Yukuyama.
Além da equipe do Laboratório de Lipídios Modificados e Bioquímica Redox do Instituto de Química da USP, o trabalho contou com a colaboração dos grupos dos professores Maurício Baptista e Paolo Di Mascio, ambos do IQ-USP e membros do CEPID Redoxoma, e Miriam Uemi, da Universidade Federal de São Paulo. Este artigo faz parte de uma Edição Especial em comemoração ao XV ELAFOT/1st LatASP Conference, realizado de 23 a 26 de outubro de 2023, na Praia de Maresias, Brasil.
O artigo Comparative study of ergosterol and 7-dehydrocholesterol and their endoperoxides: Generation, identification, and impact in phospholipid membranes and melanoma cells, de Megumi Nishitani Yukuyama, Karen Campos Fabiano, Alex Inague, Miriam Uemi, Rodrigo Santiago Lima, Larissa Regina Diniz, Tiago Eugenio Oliveira, Thais Satie Iijima, Hector Oreliana Fernandes Faria, Rosangela Silva Santos, Maria Fernanda Valente Nolf, Adriano Brito Chaves-Filho, Marcos Yukio Yoshinaga, Helena Couto Junqueira, Paolo Di Mascio, Mauricio da Silva Baptista e Sayuri Miyamoto, pode ser lido aqui.