Neutrófilos adotam diferentes estratégias de defesa conforme o estímulo
Os neutrófilos são a primeira linha de defesa do organismo contra patógenos como vírus, bactérias e fungos, além de desempenharem um papel significativo na regulação da resposta inflamatória. Para neutralizar ameaças, eles empregam vários mecanismos, como degranulação, fagocitose e a liberação de armadilhas extracelulares (NETs), estruturas formadas por DNA e proteínas microbicidas.
Em novo estudo, pesquisadores do CEPID Redoxoma liderados pela professora Graziella Eliza Ronsein, do Instituto de Química da USP, investigaram como os neutrófilos respondem a dois ativadores bem conhecidos -PMA e ionomicina- e descobriram que a ativação acontece por vias bioquímicas diferentes. Os resultados mostram que essas células modulam sua resposta imunológica conforme o estímulo recebido.
“Na literatura, todos os estímulos que os neutrófilos recebem são tratados da mesma forma, como se toda a reação do neutrófilo fosse a mesma. Nosso estudo mostra que os neutrófilos reagem de forma diferente dependendo do estímulo, e as consequências dessas respostas parecem ser bem diferentes também,” explica Ronsein.
Essas diferentes respostas podem ter implicações relevantes para a compreensão de doenças inflamatórias e autoimunes. “Observamos que os peptídeos citrulinados gerados pela ativação dos neutrófilos com ionomicina são muito semelhantes aos que se formam quando os neutrófilos interagem com certas toxinas bacterianas específicas. E muitos desses peptídeos são encontrados atuando como autoantígenos envolvidos em doenças autoimunes, como a artrite reumatoide”, afirmou a doutoranda Rafaela Oliveira Nascimento, co-primeira autora do artigo publicado na revista Redox Biology.
Estratégias de defesa
Uma estratégia bem conhecida da resposta imune envolve a produção rápida e em grande quantidade de espécies reativas. Durante a infecção, os neutrófilos são recrutados para o local afetado e ativam a enzima NADPH oxidase, que gera o radical superóxido. Esse radical é um precursor do peróxido de hidrogênio e de outras espécies reativas formadas pela mieloperoxidase.
No entanto, os pesquisadores descobriram que apenas os neutrófilos ativados por PMA geram espécies reativas, enquanto aqueles estimulados por ionomicina não produzem essas moléculas.
A degranulação, outro mecanismo de defesa essencial, envolve a liberação de grânulos contendo enzimas citotóxicas. A análise proteômica revelou que, enquanto o PMA provoca degranulação leve, a ionomicina induz degranulação maciça de grânulos primários e secundários.
Em um estudo anterior, os pesquisadores desenvolveram um método para isolar os grânulos dos neutrófilos a partir de um pequeno volume de sangue e forneceram a caracterização proteômica dessas organelas.
Outra estratégia antimicrobiana crucial é a formação de armadilhas extracelulares de neutrófilos (NETs). Conforme os neutrófilos liberam NETs, eles passam por uma forma de morte celular conhecida como NETose, que pode ser desencadeada por vários estímulos.
O estudo mostrou que tanto PMA quanto ionomicina induzem a formação de NETs, mas com diferenças significativas. A microscopia de células vivas revelou que a formação de NETs desencadeada por ionomicina ocorre muito mais rápido do que a induzida por PMA, indicando mecanismos distintos.
Citrulinação
A pesquisa também revelou um extenso processo de citrulinação de proteínas em neutrófilos ativados por ionomicina, incluindo componentes essenciais do citoesqueleto, do núcleo e da NADPH oxidase. Segundo Nascimento, a citrulinação de componentes da NADPH oxidase poderia explicar a inativação da enzima e a ausência de produção de superóxido em neutrófilos ativados por ionomicina.
A ionomicina provoca o aumento da concentração de cálcio intracelular, levando à ativação de uma enzima chamada PAD4, que converte resíduos de arginina em citrulina. Essa modificação nas proteínas é chamada de citrulinação.
Em histonas, proteínas que organizam o DNA, a carga positiva da arginina interage com os grupos fosfato negativos do DNA, mantendo a estrutura da cromatina. Quando citrulinadas, as histonas perdem sua carga positiva, levando à descondensação da cromatina e facilitando a formação de NET por meio de um mecanismo independente de espécies reativas.
Muitas das proteínas citrulinadas detectadas neste trabalho foram previamente identificadas como autoantígenos em doenças autoimunes. Autoantígenos são moléculas próprias do organismo que causam reação imune. A liberação descontrolada de NETs é considerada uma fonte de autoantígenos e está associada a doenças autoimunes como artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico. Para os pesquisadores, este mecanismo de resposta dos neutrófilos independente da ativação da NADPH oxidase pode desempenhar um papel no desenvolvimento de doenças autoimunes
Em um estudo anterior, a equipe de Ronsein mapeou proteínas citrulinadas em neutrófilos ativados por ionomicina, identificando mudanças que precedem a formação NETs. Todos os dados proteômicos obtidos pelo grupo estão disponíveis publicamente.
Como próximo passo, os pesquisadores planejam investigar como os neutrófilos respondem a estímulos mais brandos, como os fisiológicos, fornecendo mais insights sobre a regulação imunológica. “A ionomicina é um estímulo muito forte que remodela rapidamente as proteínas intracelulares”, diz Ronsein.
O artigo Investigating Neutrophil Responses to Stimuli: Comparative Analysis of Reactive Species-dependent and Independent Mechanisms, de Lorenna Rocha Reis, Rafaela Oliveira Nascimento, Mariana Pereira Massafera, Paolo Di Mascio e Graziella Eliza Ronsein, pode ser lido aqui.