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Hormônio adiponectina reverte dano provocado por obesidade em células beta pancreáticas

Disfunção de células beta está relacionada a diabetes tipo 2
PorBy Maria Celia Wider
• CEPIDRIDC Redoxoma
18/04/2023
São Paulo, Braszil

Cientistas mostraram pela primeira vez que a adiponectina, um hormônio liberado pelo tecido adiposo, é capaz modular a secreção de insulina estimulada pela glicose e o fluxo metabólico em células beta pancreáticas. A adição de adiponectina restaura completamente a integridade funcional de células beta desreguladas após tratamento com plasma de doadores obesos, indicando que a disfunção é provocada pela falta do hormônio. As células beta são responsáveis por sintetizar e secretar insulina e seu mau funcionamento está relacionado ao desenvolvimento de diabetes tipo 2.

“Esse trabalho abre portas para novas pesquisas focando na ação da adiponectina na célula beta, explorando mecanismos dos seus efeitos, por exemplo. Essa foi uma resposta que a gente deu para nossa pergunta científica original, e que abriu um milhão de outras perguntas a serem exploradas em estudos futuros”, afirmou Ana Cláudia Munhoz, primeira autora do artigo, publicado na revista Aging Cell. A pesquisa foi realizada durante seu pós-doutorado, sob a supervisão da professora Alicia Kowaltowski, do Instituto de Química da USP e do CEPID Redoxoma.

A adiponectina é encontrada em níveis elevados em indivíduos magros. No estudo, as pesquisadoras mostraram que a incubação de células beta com soro ou plasma de ratos e humanos obesos dificulta a fosforilação oxidativa mitocondrial e a secreção de insulina estimulada por glicose (GSIS) em relação ao soro e plasma de ratos e humanos magros. Elas mostraram também que a adiponectina sozinha, na ausência de soro, mantém a função das células beta e reverte os efeitos nocivos do plasma de obesos.

Para Kowaltowski, esses resultados indicam um caminho específico para proteger as células beta e prevenir sua degeneração ligada à obesidade. “Isso significa que a gente tem grandes possibilidades de poder desenhar drogas no futuro que previnam a degeneração pancreática na obesidade. O efeito da adiponectina nesse modelo é tão grande e é tão reprodutível em diferentes modelos animais, que para mim traz muita esperança”.

Cerca de meio bilhão de pessoas vive atualmente com diabetes mellitus tipo 2 e esse número deve aumentar em 51% até 2045, na medida em que os índices de obesidade continuam aumentando e a população envelhece. O diabetes tipo 2 é uma doença crônica, relacionada à idade, que se caracteriza pelo descontrole da homeostase da glicose no sangue, causado pela diminuição da ação da insulina, a chamada resistência à insulina, ou pela liberação inadequada de insulina pelas células beta pancreáticas, o que, por sua vez, leva também ao quadro de resistência à insulina.

Adiponectina

As pesquisadoras já sabiam que o soro de animais em restrição calórica tinha efeito protetor para ilhotas pancreáticas, células beta primárias e linhagens celulares secretoras de insulina in vitro, a partir de trabalhos anteriores do grupo.

A obesidade aumenta a incidência de disfunções relacionadas à idade, incluindo a desregulação das células beta, levando à secreção inadequada de insulina. “Nosso laboratório está há muitos anos interessado em mecanismos envolvidos em proteção de efeitos do envelhecimento associados a ser obeso ou não ser obeso. E restrição calórica é um modelo animal que previne a obesidade. Não é um modelo de ultra magreza”, ressalta Kowaltowski.

Elas haviam descoberto também que a incubação por apenas 24 horas com soro de animais moderadamente obesos alimentados ad libitum (AL) levava a uma piora imediata no funcionamento das células beta, prejudicando a secreção de insulina. “Sabíamos que isso ocorria de forma independente de nutrientes, mas não sabíamos o porquê, quais fatores moleculares estariam envolvidos”, conta Munhoz. Elas tinham uma pista, no entanto: em células vasculares, o aumento da capacidade de transporte de elétrons mitocondriais promovido por restrição calórica estava associado à sinalização de eNOS ativada por adiponectina, que é um hormônio relacionado ao peso corporal.

A partir destes dados, as pesquisadoras investigaram o que acontecia com células beta incubadas com plasma de pessoas magras e obesas e com soro de ratos submetidos a uma dieta de restrição calórica de 60% em comparação com animais alimentados ad libitum (AL), que com o tempo desenvolvem obesidade, resistência à insulina e outras características da síndrome metabólica.

Corte histológico de pâncreas de rato corado com Hematoxilina-Eosina (HE)
Corte histológico de pâncreas de rato corado com Hematoxilina-Eosina (HE). No centro, em destaque, encontra-se uma ilhota pancreática. — Foto: Eloisa Aparecida Vilas-Boas

As amostras de plasmas de um grupo de homens e mulheres, magros e obesos, sem patologias foram obtidas do biobanco criado pelos pesquisadores Vilma Martins e Tiago Goss, do A.C. Camargo Cancer Center. Um dado interessante foi que o plasma de mulheres, que têm níveis mais elevados de adiponectina, apresentou efeitos melhores do que o plasma de homens. As pesquisadoras também quantificaram a adiponectina nas amostras e realizaram experimentos com soro de camundongos nocaute incapazes de produzir adiponectina, fornecido pela pesquisadora Francielle Mosele, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Assim, comprovaram que a adiponectina presente no sangue de ratos e camundongos magros, bem como no plasma de mulheres magras, estimula os fluxos metabólicos nas células beta. E, ao adicionar o hormônio isoladamente a células incubadas com plasma de doadores obesos, viram que a adiponectina sozinha é capaz de anular completamente os efeitos nocivos do plasma obeso nas células beta.

Graphical Abstract do artigo
Graphical Abstract, Preparado usando Biorender.com — Munhoz A.C, et al. Aging Cell. 2023 Apr 14:e13827., sob licença CC BY 4.0

A adiponectina tem sido muito estudada no envelhecimento e na síndrome metabólica, com o uso de modelos animais e em observações populacionais. Ela atua nas células ligando-se aos receptores de adiponectina e modulando a fosforilação da proteína quinase B (AKT). Também atua via hipotálamo para inibir o apetite e aumentar o gasto energético, promovendo a oxidação de ácidos graxos no músculo e no fígado e levando à perda de peso. No geral, estudos indicam que a adiponectina é um importante regulador do metabolismo energético em vários órgãos.

No entanto, segundo Kowaltowski, “ainda há muito a ser estudado, pois a adiponectina é um hormônio misterioso. Seus níveis aumentam com a idade, mas aparentemente perdemos a resposta a ele, como acontece com a insulina e a leptina. A gente ainda não entende completamente a resistência à adiponectina, nem por que mulheres têm níveis mais elevados desse hormônio. Também há dados mostrando que a adiposidade central diminui a adiponectina, mas mecanismos relacionados a sua produção e secreção ainda não são completamente compreendidos. O efeito robusto deste hormônio em células beta que descobrimos demonstra que devemos investir em entender seus efeitos melhor.”

O artigo Adiponectin Reverses 𝛽-Cell Damage and Impaired Insulin Secretion Induced by Obesity, de Ana Cláudia Munhoz, Julian D. C. Serna, Eloisa Aparecida Vilas-Boas, Camille C. Caldeira da Silva, Tiago Goss dos Santos, Francielle C. Mosele, Sergio L. Felisbino, Vilma Regina Martins e Alicia J. Kowaltowski, pode ser lido aqui.