Redoxoma

CEPID Redoxoma

RIDC Redoxoma


Cientistas desenvolvem nova estratégia para monitorar deslocamento de proteína redox nas células

Eles querem saber como a proteína dissulfeto isomerase-A1 (PDIA1) escapa do retículo endoplasmático para o meio extracelular
PorBy Maria Celia Wider
• CEPIDRIDC Redoxoma
12/08/2024
São Paulo, Braszil

A proteína dissulfeto isomerase (PDIA1) é uma enzima residente no retículo endoplasmático, que tem a função clássica de catalisar a inserção de pontes dissulfeto em proteínas nascentes, para que elas se enovelem na forma correta. No entanto, a PDIA1 também é encontrada no meio extracelular, onde regula eventos relacionados à internalização de vírus, trombose, ativação plaquetária e remodelamento vascular. Há anos os cientistas investigam de que maneira proteínas da família da PDIA1 saem do retículo endoplasmático para o meio extracelular e vias específicas não foram ainda claramente identificadas.

Agora, pesquisadores do CEPID Redoxoma liderados por Francisco Rafael Martins Laurindo, do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP, em colaboração com o professor Roberto Sitia, da Università Vita-Salute San Raffaele, em Milão, deram um passo relevante neste sentido ao desenvolverem uma estratégia para monitorar a rota de tráfego da PDIA1 nas células, a partir da criação de uma variante N-glicosilada da proteína, a Glico-PDIA1. Com esta ferramenta, eles mostraram que uma fração do pool de PDIA1 deixa o retículo e atinge o espaço extracelular por uma rota não convencional, evitando o complexo de Golgi.

“Esse trabalho abre oportunidades para desenvolver abordagens quanto a estratégias de inibição da PDIA1 extracelular, porque uma vez que a gente entenda como a proteína sai da célula, há possibilidade de modificar ou inibir essa saída,” afirmou a pós-doutoranda Percillia Victoria Santos Oliveira, primeira autora do artigo publicado no Journal of Biological Chemistry (JBC). A pesquisadora realizou parte do estudo com uma Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE) da FAPESP, no laboratório do professor Roberto Sitia, coautor correspondente do artigo, considerado um dos líderes mundiais em tráfego subcelular de proteínas.

Segundo Francisco Laurindo, “em uma perspectiva mecanística mais abrangente, este trabalho dá uma base para um modelo de como o retículo endoplasmático conversa com o meio extracelular. Esta conversa parece ser um mecanismo importante, dados os efeitos funcionais associados à presença de proteínas do retículo na superfície celular. Interessante que, do ponto de vista redox, o retículo é muito mais parecido com o meio extracelular do que com o citosol. O citosol é bastante redutor e o retículo é um dos compartimentos mais oxidantes da célula, sendo que o meio extracelular é ainda mais oxidante que o retículo”. Para o pesquisador, o trabalho fornece um estoque de conhecimento para aplicações que vão impactar a médio e longo prazo. “Sem este tipo de conhecimento básico a gente não alimenta o sistema que trará implicações translacionais no futuro”.

Estratégia

Proteínas sintetizadas no retículo endoplasmático rugoso são enoveladas e direcionadas a locais específicos nas células, como lisossomos e membrana plasmática, ou secretadas para o meio extracelular. Para que isso aconteça, elas precisam ser modificadas. No retículo, elas podem ser marcadas com a adição de açúcares, ou seja, podem ser glicosiladas, antes de seguirem para o complexo de Golgi, onde recebem ainda outros grupos de açúcar mais complexos, que determinam seu destino final. Elas são então novamente empacotadas em vesículas, que migram para seus alvos.

A PDIA1, uma proteína com diversos efeitos celulares estudados pelo grupo de Laurindo, é uma das proteínas residentes no retículo por meio de dois mecanismos: primeiro, ela tem um peptídeo de sinal que faz com que seja traduzida para dentro do retículo; segundo, ela tem em sua extremidade C-terminal uma sequência de recuperação KDEL (lisina-aspartato-glutamato-leucina). A sequência de aminoácidos KDEL é reconhecida pelos receptores KDEL na primeira estação do complexo de Golgi. Assim, quando proteínas marcadas com essa sequência saem do retículo para o Golgi, elas são enviadas de volta. Este é um mecanismo universal de proteínas que são recuperadas para o retículo.

No entanto, a PDIA1 é encontrada também no meio extracelular. Segundo os pesquisadores, dois mecanismos principais podem explicar como as proteínas escapam da vigilância dos três receptores KDEL que operam no Golgi: secreção ativa específica por mecanismos desconhecidos ou liberação passiva por células danificadas ou mortas, das quais as proteínas escapam devido à perda da integridade da membrana plasmática.

Um dos objetivos da estratégia desenvolvida para rastrear a PDIA1, segundo Oliveira, foi mostrar que ela deixa o retículo por um mecanismo ativo e não por uma liberação inespecífica.

“Normalmente, as proteínas que são secretadas da célula ou que estão na superfície celular são glicosiladas. Elas têm um motivo canônico para glicosilação e isso ajuda a endereçá-las para fora da célula. A PDIA1 não tem esse motivo. Então imaginamos que, se inseríssemos artificialmente um sítio de glicosilação, conseguiríamos saber por onde ela passou na célula, olhando que tipo de modificação esses açúcares sofrem,” explicou a pesquisadora. A adição do motivo de glicosilação não perturbou função da PDIA1.

As proteínas que passam pelo complexo de Golgi adquirem açúcares complexos. Em células HeLa expressando a Glico-PDIA1, os pesquisadores inicialmente observaram que a proteína possuía apenas açucares imaturos e, portanto, não seguia a rota clássica de secreção, sendo recuperada para o retículo.

Eles então manipularam o sistema de recuperação. Primeiro removeram a sequência KDEL, o que fez com que as proteínas passassem pelo Golgi e fossem secretadas. Neste caso, encontraram a PDIA1 com açúcares complexos confirmando o escape do sistema de recuperação de volta para o retículo endoplasmático e sua passagem completa pelo Golgi. Em seguida, diminuíram a expressão dos receptores KDEL das células. Para surpresa dos pesquisadores, eles observaram dois pools de PDIA1, parte que passava pelo Golgi e parte que não passava. “A gente classificou um pool estático, que é maior e fica retido no retículo, e um pool móvel, que cicla entre o retículo e o Golgi. Este último seria o pool que escapa no momento em que a gente faz o silenciamento dos receptores. Isso quer dizer que, de alguma forma, o receptor KDEL é importante para essa rota alternativa de secreção do retículo para fora da célula,” explicou a pesquisadora.

Outro resultado importante do trabalho, segundo Laurindo, foi apresentar a primeira evidência robusta de que a PDIA1 pode ganhar acesso ao citosol, por via dependente da chaperona DNAJB12, uma proteína da membrana do retículo. Estudos prévios coordenados por Oliveira já haviam mostrado que DNAJB12 facilita o refluxo citosólico de proteínas do retículo durante estresse do retículo. Agora, foi também mostrado que esta via pode ser independente do estresse do retículo. No citosol, a PDIA1 participa de diversas vias de sinalização redox, como, por exemplo, a interação com o complexo NADPH oxidase (Nox) e com o citoesqueleto celular.

As três principais via identificadas no trabalho: saída diretamente do retículo com um açúcar simples, saída via Golgi onde há a aquisição de açúcares complexos e a retrotranslocação do retículo para o citosol com consequente perda do açúcar, removido por N-glicanases citosólicas.
As três principais via identificadas no trabalho: saída diretamente do retículo com um açúcar simples, saída via Golgi onde há a aquisição de açúcares complexos e a retrotranslocação do retículo para o citosol com consequente perda do açúcar, removido por N-glicanases citosólicas. — Imagem: Clara Heinrich.

Segundo os pesquisadores, a estratégia desenvolvida nesse estudo pode ser estendida para investigar como outras proteínas residentes no retículo endoplasmático alcançam o espaço extracelular.

O artigo Transport of Protein Disulfide Isomerase from the Endoplasmic Reticulum to the Extracellular Space without Passage through the Golgi Complex, de Percillia Victoria Santos Oliveira, Marco Dalla Torre, Victor Debbas, Andrea Orsi, Francisco Rafael Martins Laurindo e Roberto Sitia pode ser lido aqui.

O artigo DNAJB12 and DNJB14 are non-redundant Hsp40 redox chaperones involved in endoplasmic reticulum protein reflux, de Aline Dias da Purificação, Victor Debbas, Leonardo Tanaka, Gabriele VM Gabriel, João Wosniak Júnior, Tiphany C De Bessa, Sheila Garcia-Rosa, Francisco RM Laurindo e Percillia VS Oliveira pode ser lido aqui.