Tempol inibe oxidação da hSOD1
Em artigo publicado no Biochemical Journal, pesquisadores do INCT — Redoxoma, liderados por Ohara Augusto e Paolo Di Mascio, caracterizaram pela primeira vez um aduto do nitróxido cíclico tempol com um peptídeo derivado do radical triptofanila por análise de MS/MS. Esse resultado é um passo importante na compreensão do mecanismo pelo qual o tempol inibe a oxidação da enzima superóxido dismutase 1 humana (hSOD1) causada por sua atividade peroxidásica, que, por sua vez, pode contribuir para o mecanismo patogênico da esclerose lateral amiotrófica (ALS, na sigla em inglês).
A ALS é uma doença neurodegenerativa fatal, caracterizada pela disfunção progressiva e morte dos neurônios motores no córtex motor, tronco cerebral e medula. Embora na maioria das vezes a causa da doença seja desconhecida, a chamada ALS esporádica, cerca de 10% dos casos têm base genética. Mutações associadas à ALS foram encontradas em diversos genes, mas mutações no gene da Cu,Zn superóxido dismutase (SOD 1) são as mais estudadas, sendo responsáveis por 20% dos casos familiares. Como a patologia e os sintomas em ambas as formas da doença são semelhantes, suspeita-se de um mecanismo patogênico comum.
Em trabalho anterior, publicado no PlosOne, a pesquisadora Ohara Augusto havia demostrado que a administração de altas doses de tempol, um antioxidante multifuncional, em um modelo animal de ALS (ratos G93A) desacelerou a progressão da doença e prolongou moderadamente a sobrevivência dos animais. Os animais tratados apresentaram uma perda menor de neurônios e níveis também menores de formas carboniladas e desenoveladas da SOD nos tecidos da medula espinal.
Agora, para entender melhor esse efeito neuroprotetor in vivo, os pesquisadores examinaram se o tempol inibia a oxidação da SOD in vitro e por quais mecanismos.
O sistema de oxidação escolhido foi a atividade peroxidásica dependente de bicarbonato da hSOD1, que consome consideráveis quantidades de peróxido de hidrogênio para produzir o radical carbonato. O radical carbonato é um oxidante potente, que, ao se difundir para longe do sitio ativo, oxida alvos distantes, inclusive as histidinas e o resíduo triptofano 32 da própria enzima, produzindo formas carboniladas e covalentemente dimerizadas da SOD.
Os resultados mostraram que o tempol não afeta o turnover da enzima, mas inibe a carbonilação e a dimerização covalente da hSOD1, porque reage com o radical carbonato e também com outros radicais derivados da SOD e produzidos pelo radical carbonato. Essa reação foi provada ao se demonstrar que o tempol compete pelo radical carbonato com seus bem conhecidos alvos, dihidrorodamina e DMPO. Nesse caso, seria esperada a formação de adutos de tempol com radicais derivados da SOD, devido às reações de recombinação entre radicais.
“A existência de tais adutos é disputada na literatura e, portanto, era necessário uma prova inequívoca”, afirmou Ohara Augusto.
Para a detecção dos adutos, o grupo usou peptídeos correspondentes aos resíduos 30 a 34 da SOD, que foram oxidados com o radical carbonato, e fizeram análise por MS/MS. A formação do aduto de tempol com um peptídeo derivado do radical triptofanila foi plenamente caracterizada.
Além disso, como o tempol é consumido nesse processo, os resultados fornecem uma explicação para o fato de que são requeridas altas doses do antioxidante para que sejam observados seus efeitos neuroprotetores nos modelos animais de ALS.
“Nossos dados apontam para um papel da oxidação da SOD no desenovelamento e agregação da enzima. Estamos examinando essa possibilidade”, concluiu a pesquisadora.
Além do artigo publicado, a professora Ohara Augusto gravou um podcast, disponível no site do Biochemical Journal, explicando o trabalho do grupo.
http://www.biochemj.org/bj/podcasts/default.htm
O artigo The carbonylation and covalent dimerization of human superoxide dismutase 1 caused by its bicarbonate-dependent peroxidase activity is inhibited by the radical scavenger tempol, de Raphael F. Queiroz, Verônica Paviani, Fernando R. Coelho, Emerson F. Marques, Paolo Di Mascio e Ohara Augusto, pode ser lido por assinantes em https://doi.org/10.1042/BJ20130180