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Proteínas modificadas na matriz extracelular de tecido pulmonar podem dar pistas sobre funções biológicas do bromo

PorBy Maria Celia Wider
• CEPIDRIDC Redoxoma
11/03/2024
São Paulo, Braszil

A matriz extracelular é uma rede intrincada composta por um conjunto de macromoléculas que une e fixa as células para formar os tecidos, desempenhando funções vitais de suporte celular, comunicação intercelular e regulação do desenvolvimento tecidual. Em um estudo publicado na revista Redox Biology, pesquisadores identificaram proteínas da matriz extracelular modificadas pela ação do ácido hipobromoso em tecidos pulmonares com fibrose e em tecidos normais, sugerindo um possível papel fisiológico para a bromação de proteínas.

“Este trabalho mostrou que a bromação é encontrada fisiologicamente e que a peroxidasina, a enzima que catalisa a formação do ácido hipobromoso, tem outros alvos além do colágeno, o que era uma das grandes perguntas da área”, afirmou a pesquisadora Litiele Cezar Cruz, primeira autora do artigo. Ela realizou a pesquisa durante seu pós-doutorado, sob a supervisão da professora Flávia Meotti, do Instituto de Química da USP e do CEPID Redoxoma. Parte do estudo foi feita com uma Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE) da FAPESP, no laboratório do professor Albert van der Vliet, da University of Vermont, nos Estados Unidos.

A halogenação é uma reação química na qual um átomo de halogênio — principalmente flúor, cloro, bromo ou iodo — é incorporado a uma molécula. As modificações halogênicas de moléculas biológicas são cada vez mais reconhecidas em diversas áreas da biologia, mas sua relevância no organismo de mamíferos ainda é pouco estudada. O papel do íon brometo na formação oxidativa da ligação cruzada entre moléculas de colágeno IV na matriz extracelular foi a primeira evidência de que o bromo exerce um papel essencial em organismos vivos.

“Conhecemos mais sobre clorinação, modificação que depende da mieloperoxidase, uma enzima inflamatória. Em geral, esse tipo de halogenação associada a processos de doenças é mais estudado, porque a inflamação está na gênese da maioria das doenças. Em doenças inflamatórias com atividade da mieloperoxidase, a tendência é encontrarmos um aumento de proteínas com adição de cloro. Essa modificação pelo bromo é muito parecida, pois cloro e bromo são elementos químicos muito parecidos, e a alteração ocorre nos mesmos aminoácidos, incluindo a tirosina. Mas, embora a concentração de bromo no plasma seja mil vezes menor do que a de cloro, o cloro não é um bom substrato para a peroxidasina e, assim, na matriz extracelular temos mais ácido hipobromoso do que o hipocloroso”, explicou Meotti.

Peroxidasina

A peroxidasina (PXDN) é uma heme peroxidase expressa na matriz extracelular em vários tecidos. Ela catalisa a formação de ácido hipobromoso (HOBr) a partir de peróxido de hidrogênio e brometo. O ácido hipobromoso oxida resíduos de aminoácidos para formar ligações covalentes cruzadas entre moléculas de colágeno IV, gerando uma rede de colágeno que estrutura a membrana basal da matriz extracelular.

Segundo as pesquisadoras, estudos recentes sugeriram que a peroxidasina poderia modificar outras proteínas da matriz extracelular além do colágeno IV, com a incorporação de brometo a resíduos de tirosina, por meio do ácido hipobromoso. Como o ácido hipobromoso é um oxidante forte formado constantemente na matriz, elas resolveram investigar outros alvos proteicos desse oxidante. Para tal, utilizaram a técnica de análise proteômica por espectrometria de massas para identificar proteínas contendo tirosinas bromadas em diferentes tipos de amostras.

Inicialmente, trabalharam com células PHFR9, que super produzem a matriz extracelular. “A gente isolou a matriz, tratou com ácido hipobromoso e fez uma busca por proteômica. Aí veio uma lista gigante, com muitas proteínas bromadas, e a que mais se destacou, com maior número de peptídeos modificados, foi a laminina”, conta Cruz. As lamininas são as principais proteínas não pertencentes à classe do colágeno da membrana basal e se ligam com outras proteínas, inclusive com a peroxidasina. Elas também têm função de sustentação e estão envolvidas na sinalização para proliferação celular. A membrana basal é a parte da matriz mais próxima das células epiteliais, endoteliais e musculares, e é composta principalmente de colágeno IV e lamininas.

Em seguida, em colaboração com o grupo de Vliet, a pesquisadora analisou tecidos pulmonares de camundongos saudáveis e de camundongos modelo de fibrose pulmonar. Uma das principais características da fibrose pulmonar é o aumento da matriz extracelular. Nos pulmões de camundongos com fibrose, ela observou que peroxidasina, lamininas, colágenos e várias outras proteínas da matriz extracelular são reguladas positivamente. Dentre as proteínas com tirosinas bromadas, novamente as lamininas se destacaram. Além disso, foram encontradas proteínas bromadas nos pulmões de camundongos saudáveis.

Cruz et al., Redox Biology Vol 71, May 2024, 103102 — Graphical abstract.

Para ampliar as descobertas, Cruz investigou a presença de proteínas modificadas por bromotirosina em tecidos pulmonares obtidos de seres humanos saudáveis e de pacientes com fibrose pulmonar idiopática. Ela também reanalisou dados de proteômica de tecido pulmonar publicados anteriormente. Tanto nas amostras de tecidos preparados agora quanto nos dados publicados anteriormente, a pesquisadora encontrou modificações em várias proteínas da matriz extracelular, mesmo em pulmões saudáveis.

Este é o primeiro estudo que identifica proteínas bromadas na fibrose pulmonar e em tecido pulmonar não fibrótico.

“Algo que detectamos em um estudo paralelo é que, para produzir o ácido hipobromoso, a peroxidasina precisa de concentrações muito baixas de peróxido de hidrogênio, que as células produzem constantemente. Então não precisa ter um evento inflamatório acontecendo, o ácido hipobromoso é produzido fisiologicamente. Por isso a importância de encontrar essa bromação em tecidos normais, sem fibrose”, explicou Meotti.

Para Cruz, “um aspecto interessante mostrado recentemente é que a presença do bromo na membrana basal é dependente da presença da peroxidasina. Quando a peroxidasina é inibida, o bromo e os peptídeos bromados desaparecem”.

Embora ainda não seja clara a relevância biológica da bromação destas proteínas, essa é uma modificação pós-tradução que pode afetar a estrutura da matriz extracelular e as interações com células adjacentes.

O artigo Identification of tyrosine brominated extracellular matrix proteins in normal and fibrotic lung tissues, de Litiele Cezar Cruz, Aida Habibovic, Bianca Dempsey, Mariana P. Massafera, Yvonne Janssen-Heininger, Miao-chong Joy Lin, Evan T. Hoffman, Daniel J. Weiss, Steven K.Huang, Albert van der Vliet e Flavia C. Meotti pode ser lido aqui.