Redoxoma

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RIDC Redoxoma


Luz vermelha reprograma o metabolismo das células da pele

Estudo do Redoxoma revela o mecanismo
PorBy Maria Celia Wider*
• CEPIDRIDC Redoxoma
04/11/2025
São Paulo, Braszil

Pesquisadores do CEPID Redoxoma liderados por Alicia Kowaltowski e Maurício Baptista, do Instituto de Química da USP, descobriram um novo mecanismo pelo qual a luz vermelha aumenta o consumo de oxigênio mitocondrial em queratinócitos, as células mais abundantes da pele. O estudo revela que essas células atuam como sensores metabólicos capazes de reagir a diferentes cores da luz solar.

Para Baptista, o estudo representa uma virada conceitual na área. “Eu estou muito empolgado com esse resultado”, afirma. “O trabalho quebra o paradigma de que a luz vermelha ativa diretamente a mitocôndria. Demonstramos que outro processo, provavelmente ocorrendo no citoplasma, ativa esta função das mitocôndrias. Há uma sinalização metabólica que leva à oxidação de ácidos graxos e aumenta a respiração.” Essa nova interpretação, afirma o pesquisador, é mais coerente do ponto de vista biológico.

“O projeto começou com a ideia de investigar como a luz visível afeta as mitocôndrias, que são o centro do metabolismo celular”, conta o doutorando Manuel Alejandro Herrera, primeiro autor do artigo, publicado na revista FEBS Letters. “Queríamos entender como as células mais expostas à radiação solar, os queratinócitos, se comportam diante de diferentes comprimentos de onda, já que a luz do Sol é composta por várias faixas de cores. Sempre estudamos o efeito da radiação ultravioleta, dos danos causados pelos raios do Sol, e temos um gap bem maior na compreensão de outras luzes”.

Nossa pele está constantemente exposta à luz solar, e compreender como ela responde a essa exposição é essencial para avaliar os impactos da radiação sobre a saúde. Tradicionalmente, a radiação ultravioleta (UVA e UVB) tem sido associada a danos celulares, como reações fototóxicas que oxidam componentes das células e podem levar ao envelhecimento precoce e ao câncer de pele.

Nos últimos anos, pesquisadores também começaram a explorar os efeitos de outras faixas do espectro solar. A luz vermelha, por exemplo, é uma radiação de baixa energia capaz de penetrar na pele e induzir efeitos estimulantes. Até agora, porém, os mecanismos moleculares responsáveis por esses efeitos eram pouco compreendidos.

Reprogramação metabólica

Por meio da análise de fluxos metabólicos, os pesquisadores mostraram que diferentes comprimentos de onda da luz afetam os queratinócitos de maneira distinta. Enquanto a radiação UVA suprime a produção de energia e as luzes azul e verde comprometem a viabilidade celular, a luz vermelha tem o efeito oposto, estimulando o metabolismo oxidativo. Eles descobriram que esse efeito benéfico resulta da ativação da oxidação de ácidos graxos mediada pela enzima AMPK, processo que fornece mais elétrons para a cadeia respiratória e aumenta a respiração celular.

A AMPK atua como um sensor de energia, mantendo o equilíbrio entre ATP e AMP e desencadeando respostas metabólicas adaptativas. Segundo Kowaltowski, “essa é uma maneira completamente nova de ativar a via de oxidação de ácidos graxos. Nosso trabalho revelou uma via de sinalização que nunca antes havia sido descrita como modulada pela luz e que é extremamente central no metabolismo celular.“

A ativação da AMPK está associada à inibição da enzima ACC (acetil-CoA carboxilase), bloqueando a síntese de ácidos graxos e promovendo o redirecionamento dos ácidos graxos livres (AGL) para a β-oxidação mitocondrial. A pesquisadora destaca que a luz não afeta diretamente a maquinaria mitocondrial, mas atua como um sinal metabólico mais amplo.

Para monitorar o metabolismo dos queratinócitos em tempo real, os pesquisadores utilizaram os sistemas Seahorse XF e Resipher, que permitem a medição contínua e não invasiva do consumo de oxigênio em células cultivadas. Os dados revelaram que o aumento da respiração celular persistiu por até 48 horas após a exposição à luz vermelha, desaparecendo apenas no terceiro dia. Esse é um padrão típico de reprogramação metabólica, sugerindo alterações enzimáticas em vez de ativação direta pela luz.

Outras células da pele, como fibroblastos e melanócitos, não apresentaram a mesma resposta à luz vermelha, o que indica a especificidade da via de sinalização.

A ativação metabólica observada nas células expostas à luz vermelha não significa uma perda de lipídios, mas sim uma mudança em como eles são utilizados. “Essas células apresentam ativação da via de oxidação de ácidos graxos e diminuição dos níveis de ácidos graxos livres, mas não detectamos redução do triacilglicerol nem do colesterol,” explica a pesquisadora. Ou seja, não podemos dizer que as células estão “queimando gordura”.

https://febs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/1873-3468.70195
A luz em diferentes comprimentos de onda tem efeitos distintos na viabilidade e no metabolismo dos queratinócitos. A luz UVA inibe os fluxos metabólicos. A luz azul e a luz verde não têm efeito sobre os fluxos metabólicos, enquanto a luz vermelha aumenta a fosforilação oxidativa ao promover a oxidação de ácidos graxos. — Imagem: M. Herrera et al., FEBS Letters, 2025, sob licença CC BY 4.0CCBY

Terapias baseadas em luz

Tecnologias baseadas em luz são cada vez mais utilizadas no tratamento de diversas condições de saúde. Na fotobiomodulação, por exemplo, luz de comprimentos de onda específicos é aplicada à pele para produzir efeitos terapêuticos, como alívio da dor e aceleração da cicatrização de feridas. Esses efeitos podem ser úteis no tratamento de doenças inflamatórias, neurológicas e musculoesqueléticas.

“Há décadas se diz que a luz vermelha ’ativa a mitocôndria’, mas existem poucos dados com uma visão mais ampla do metabolismo celular,” diz Baptista. “Ativa a mitocôndria, mas como? Quais os efeitos reais? Qual a consequência?” Ele observa que a força desse estudo também está na abordagem experimental adotada “Nunca se havia investigado esse efeito em células da pele com o rigor de um laboratório de metabolismo.“

Para Kowaltowski, compreender os mecanismos moleculares por trás dos efeitos da luz é essencial para o avanço das terapias baseadas em fotobiomodulação. “Muita gente faz tratamentos com luz sem entender a base molecular do que está acontecendo”, observa. “A luz pode agir por diferentes mecanismos, inclusive pelo calor, e, sem distinguir esses processos, não é possível aprimorar os tratamentos nem entender por que eles funcionam”. Identificar as moléculas envolvidas, ela acrescenta, é o que permite desenvolver abordagens mais específicas e eficazes.

Para aprofundar os estudos sobre os efeitos da luz vermelha na pele, Herrera atualmente desenvolve parte de seu doutorado na Medical University de Viena, com uma Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE) da FAPESP. “Agora estamos focados em compreender mais a fundo como a luz vermelha atua no desenvolvimento da pele”, explica. Para isso, o pesquisador utiliza células primárias isoladas de pacientes dermatológicos e modelos tridimensionais de pele cultivados em laboratório, que reproduzem de forma mais fiel o tecido humano. “Estamos reconstruindo peles a partir do zero e irradiando essas amostras com luz vermelha.“

O artigo Mitochondrial fatty acid oxidation is stimulated by red light irradiation, de Manuel Alejandro Herrera, Camille C. Caldeira da Silva, Maiza Von Denz, Mauricio S. Baptista e Alicia J. Kowaltowski, é de acesso aberto graças a um acordo entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a editora Wiley e está disponível aqui.

*Apoiada pela*Supported by FAPESP Proc 2024/04945-4