Jejum intermitente provoca alterações no hipotálamo
O jejum intermitente (IF, na sigla em inglês), em que são alternados ciclos de alimentação normal e de jejum, tem sido praticado como dieta de emagrecimento, embora se desconheçam os efeitos que possa ter para a saúde.
Em estudo realizado com ratos, o grupo da professora Alicia Kowaltowski, do Instituto de Química da USP e do Redoxoma1, mostrou que alterações no hipotálamo podem explicar alguns efeitos da dieta, como redução do ganho de massa corporal e baixa conversão energética.
Ao analisar amostras do hipotálamo de ratos Sprangue-Dawley submetidos a um regime de 24h de alimentação à vontade por 24h de jejum, os pesquisadores encontraram um aumento na expressão dos neurotransmissores orexigênicos AgRP (peptídeo relacionado ao gene agouti) e NPY (neuropeptídio Y), que estimulam o apetite e a conservação de energia.
“Mostramos que, embora esse tipo de dieta possa promover redução no ganho de peso e trazer alguns benefícios para a saúde, há também consequências indesejáveis. Uma dessas consequências é que a dieta altera o controle do apetite no hipotálamo, fazendo com que os ratos tenham fome o tempo todo, mesmo quando comem”, afirmou Kowaltowski.
Nos dias em que os ratos submetidos ao jejum intermitente podiam se alimentar, eles ingeriam cerca de 53% da porção diária nas primeiras duas horas do dia e apresentavam taxas metabólicas aumentadas.
Nos dias de jejum, eles apresentavam baixa conversão energética e aumento da oxidação lipídica.
O aumento da expressão de neurotransmissores orexigênicos foi observado mesmo nos dias em que os animais se alimentavam.
“Os ratos IF passam 24 horas sem comida. Assim que a ração é reposta, eles devoram o alimento até a capacidade máxima que o organismo permite. Um exemplo deste comportamento hiperfágico é a ingestão de aproximadamente 53% do consumo diário em apenas 2 horas. Os animais em IF possuem alimento disponível por apenas 50% do tempo dos animais controle (AL). Contudo, em apenas 24 horas eles ingerem aproximadamente 80% da ração que os animais AL ingerem em 48 horas. Isso confirma o aumento no apetite destes animais”, explicou o doutorando Bruno Chaussê, primeiro autor do artigo.
Para Kowaltowski, os resultados da pesquisa, publicada esse mês na revista Endocrinology, foram surpreendentes. “Nossa hipótese para explicar o peso menor em animais submetidos ao jejum intermitente era uma menor eficácia de suas mitocôndrias. Estudos cuidadosos mostraram que esse não era o caso e tivemos que investigar alterações na forma como o cérebro controla o metabolismo, para explicar como a dieta promove os efeitos que observamos. E, para tal, contamos com a valiosa colaboração do professor Licio Velloso, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Diretor do CEPID em Obesidade e Comorbidades”.
O jejum intermitente e seus efeitos
Os pesquisadores usaram 24 ratos Sprangue-Dawley, separados em dois grupos: por três semanas, um grupo se alimentou à vontade, enquanto o outro foi submetido a um regime de 24h de alimentação à vontade por 24h de jejum. Todos os animais receberam água à vontade e foram submetidos a ciclos dia-noite de 12h.
Durante o estudo, massa corporal, consumo de alimento e massa fecal foram registrados diariamente, e a atividade espontânea foi monitorada. Os pesquisadores também avaliaram a sensibilidade dos animais à leptina, hormônio que promove redução na ingestão alimentar e aumento no gasto energético.
Os animais foram sacrificados depois de três semanas e os pesquisadores extraíram fibras musculares e mitocôndrias do músculo esquelético. A expressão de neurotransmissores foi medida em amostras do hipotálamo dos ratos de ambos os grupos.
Os ratos submetidos ao jejum intermitente ingeriram cerca de 20% menos alimentos que os outros e ganharam menos peso (22,5g versus 50,39g). Embora a diferença no consumo de alimentos não tenha sido significativa, os ratos em jejum tiveram baixa eficiência alimentar, ou seja, a dieta teve impacto no metabolismo energético.
“Uma baixa conversão energética indica uma diminuição na conversão da energia ingerida por um indivíduo em massa corpórea, ou seja, indica perda efetiva de peso”, explicou Bruno Chaussê.
Também foi detectada diminuição de 15% de ésteres de colesterol e triglicérides, indicando absorção reduzida, e uma diminuição da massa hepática nos dias de jejum, possivelmente em consequência do uso do glicogênio hepático e de lipídeos como fonte de energia.
Além do aumento dos neurotransmissores orexigênicos AgRP e NPY, os pesquisadores verificaram a diminuição das taxas do hormônio liberador de tireotrofina (TRH) durante o jejum e a normalização das mesmas com a alimentação.
Para os pesquisadores, as alterações nas funções hipotalâmicas promovidas pelo jejum intermitente explicam tanto o padrão de hiperfagia quanto a menor eficiência na conversão energética e consequente perda de peso, com perda principalmente de massa muscular.
Em humanos
Como no desenvolvimento da obesidade anomalias metabólicas são observadas inicialmente no hipotálamo, os pesquisadores afirmam no artigo que “talvez as modificações que vimos nos nossos animais sejam a fase inicial de alterações que podem levar ao fenótipo de obesidade resistente à insulina observado em idades mais avançadas”.
Segundo os pesquisadores, ainda é prematuro extrapolar os resultados obtidos no estudo com ratos para humanos, na medida em que as taxas metabólicas e os hábitos alimentares são muito diferentes. No entanto, com base nos dados obtidos, acreditam ser altamente interessante avaliar os efeitos da alimentação intermitente nas taxas metabólicas e no controle do apetite em humanos.
O artigo Intermittent Fasting Induces Hypothalamic Modifications Resulting in Low Feeding Efficiency, Low Body Mass and Overeating, de Bruno Chausse, Carina Solon, Camille C. Caldeira da Silva, Ivan G. Masselli dos Reis, Fúlvia B. Manchado-Gobatto, Claudio A. Gobatto, Licio A. Velloso e Alicia J. Kowaltowski pode ser lido por assinantes em:
http://press.endocrine.org/doi/abs/10.1210/en.2013-2057
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1INCT, NAP e CEPID Redoxoma