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Estudo revela mecanismo pelo qual o ácido úrico causa dano vascular

PorBy Maria Celia Wider
• CEPIDRIDC Redoxoma
21/06/2022
São Paulo, Braszil

O ácido úrico, um metabólito abundante no plasma humano, é propenso à oxidação em condições inflamatórias. A oxidação do ácido úrico está associada a doenças cardiovasculares, por induzir disfunção endotelial, estresse oxidativo e inflamação sistêmica e local. Em artigo publicado na revista Antioxidants, cientistas do CEPID Redoxoma liderados pela professora Flavia Meotti, do Instituto de Química da USP, propõem um mecanismo para explicar como o ácido úrico causa lesões vasculares que podem levar a doenças cardiovasculares.

Nossos vasos sanguíneos são revestidos pelo endotélio, que tem funções complexas para a manutenção da homeostase vascular, como regulação do fluxo sanguíneo, da coagulação, da proliferação de células da parede vascular e de respostas inflamatórias e imunológicas. O endotélio expressa uma enzima chamada peroxidasina, que é essencial para a sobrevivência das células endoteliais e, principalmente, para a estruturação da matriz extracelular, o conjunto de moléculas que une e fixa as células para formar os tecidos.

Os pesquisadores mostraram que o ácido úrico é oxidado pela peroxidasina em células endoteliais, prejudicando a formação da matriz extracelular e causando a diminuição da adesão e migração dessas células.

Para Meotti, os resultados do estudo elucidam tanto o papel do ácido úrico na disfunção endotelial quanto as funções da peroxidasina. “Como a peroxidasina é uma enzima que foi descrita recentemente, todos esses achados sobre ela são relevantes para entendermos de fato o que ela está fazendo e como a reatividade dela pode modificar a função endotelial”.

Peroxidasina

Peroxidases são enzimas que oxidam substratos na presença do peróxido de hidrogênio (H2O2). O grupo de Meotti já havia mostrado em estudos anteriores que o ácido úrico é oxidado pela mieloperoxidase, gerando o radical livre de urato e hidroperóxido de urato, ambos capazes de causar danos oxidativos.

A peroxidasina é uma enzima da família da mieloperoxidase abundante no tecido vascular, mas que só foi descrita em meados da década de 1990. A enzima usa o peróxido de hidrogênio para formar o ácido hipobromoso e promover a formação das ligações covalentes cruzadas do colágeno tipo IV, que estruturam a matriz extracelular. Por sua função de formação de matriz extracelular, ela foi associada à progressão de alguns tipos de câncer. Também tem sido relacionada a doenças cardiovasculares.

Com o objetivo de investigar se o ácido úrico reage com a peroxidasina e compromete a função da enzima nas células endoteliais humanas, o primeiro passo do estudo foi encontrar a peroxidasina no secretoma (conjunto de proteínas secretadas) de células endoteliais vasculares (HUVEC), por meio de análise proteômica. “Usamos células endoteliais para mostrar a relevância fisiológica do processo”, afirma Meotti.

Depois, analisando células HEK293 que superexpressam a enzima, os pesquisadores confirmaram que a peroxidasina oxida o ácido úrico. E, por fim, eles estudaram células PFHR9, que super produzem matriz extracelular. “Queríamos extrair a matriz para poder ver do efeito do ácido úrico sobre ela”. Os resultados mostraram a diminuição da formação das ligações cruzadas do colágeno IV na matriz extracelular.

“Depois de reagir com o peróxido de hidrogênio, a peroxidasina reage com o ácido úrico, formando um intermediário, o composto II, no qual a enzima fica presa até reagir com um segundo ácido úrico para voltar ao seu estado nativo. A reação do primeiro ácido úrico é mais rápida. Já a reação do segundo ácido úrico com o composto II é bem mais lenta. Isso é um tipo de inibição, porque ele desacelera a enzima, mas não é irreversível. O ácido úrico também está competindo com o brometo, então a enzima vai deixar de formar o ácido hipobromoso e formar o radical livre de urato. Nesse ponto, a formação de matriz extracelular pode ser diminuída, por causa dessa competição e da demora do ciclo completo da enzima,” explica a pesquisadora.

Estudo revela mecanismo pelo qual o ácido úrico causa dano vascular
Graphical Abstract do artigo: Dempsey et al., Antioxidants, 2022, 11, 1117, sob licença Creative Commons.

Disfunção endotelial

A disfunção endotelial é um termo que se refere ao mau funcionamento do endotélio vascular, uma condição que tem um papel importante no desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Em colaboração com pesquisadores do Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), o grupo de Meotti já havia publicado um estudo clínico mostrando que os níveis plasmáticos de ácido úrico e alantoína, o produto mais estável da oxidação do ácido úrico, estão positivamente associados ao espessamento da camada intima-media da carótida, comprovando que a oxidação do ácido úrico é um processo relevante na aterosclerose.

Agora, ao investigar a função celular das células endoteliais, os pesquisadores observaram que tanto o ácido úrico quanto um inibidor da peroxidasina, o floroglucinol, prejudicam os processos de adesão e migração das células. O mesmo também é visto em células nas quais a inserção de um RNA de interferência impede a expressão da enzima. Com isso, eles comprovaram que adesão e migração são dependentes da peroxidasina e que o efeito do ácido úrico nesses processos também está relacionado à inibição da enzima.

Adesão e migração são essenciais para o reparo tecidual, angiogênese e manutenção da integridade vascular. Segundo Meotti, “esses processos funcionais são importantes, por exemplo, na regeneração de um vaso. Quando você tem aterosclerose, o vaso é lesionado pelo processo inflamatório, pelas espécies oxidantes que são formadas, e o processo de adesão e migração colaboram com a cicatrização, ajudando o vaso a se recuperar. Então, se você prejudica isso também, é mais um mecanismo que impede a solução da lesão.”

A pesquisa foi realizada durante o doutorado de Bianca Dempsey e o pós-doutorado de Litiele Cezar Cruz, ambas bolsistas de FAPESP e primeiras autoras do artigo. Meotti destaca que o suporte financeiro da FAPESP por meio do CEPID Redoxoma e do projeto Jovem Pesquisador 2 foi fundamental para o rigor e a qualidade do estudo.

O artigo Uric Acid Reacts with Peroxidasin, Decreases Collagen IV Crosslink, and Impairs Human Endothelial Cell Migration and Adhesion, de Bianca Dempsey, Litiele Cezar Cruz, Marcela Franco Mineiro, Railmara Pereira da Silva e Flavia Carla Meotti, pode ser lido aqui.