Estudo alerta para limites da especificidade da sonda HyPer7
Radicais livres e oxidantes exercem papéis importantes na regulação das respostas celulares. Entre eles, o peróxido de hidrogênio (H₂O₂), ou água oxigenada, é reconhecido há décadas como um dos principais mediadores da sinalização redox. No entanto, detectar essas moléculas dentro das células continua sendo um desafio, devido às suas baixas concentrações. Para contornar essa limitação, pesquisadores desenvolveram sondas fluorescentes geneticamente codificadas, como as da família HyPer, capazes de mostrar em tempo real onde e quando o H₂O₂ é produzido nas células. Essas sondas são consideradas altamente específicas para o peróxido de hidrogênio.
Um novo estudo, porém, sugere que essa especificidade pode não ser tão absoluta. Cientistas do CEPID Redoxoma construíram um plasmídeo capaz de promover a produção eficiente da proteína HyPer7, a mais recente versão dessa família de sondas, em bactérias e testaram sua reatividade em condições controladas de laboratório. Os resultados mostram que, além do peróxido de hidrogênio, a HyPer7 também é oxidada pelo peroxinitrito (ONOOH) e pelo ácido hipocloroso (HOCl), duas espécies reativas com importantes funções biológicas.
“As sondas HyPer mudaram de patamar a pesquisa na área redox, mas é fundamental entender exatamente o que elas estão detectando. Nosso trabalho mostra que a HyPer7 não é tão específica para o peróxido de hidrogênio quanto se pensava”, afirma a professora Ohara Augusto, do Instituto de Química da USP, coordenadora do estudo.
Os resultados, publicados na revista Free Radical Biology and Medicine, ressaltam a necessidade de cautela na interpretação de experimentos feitos com a HyPer7 e sondas relacionadas. “A área redox é muito complexa. Não dá para fazer um único tipo de experimento e tirar conclusões definitivas. Não é porque você colocou a sonda na célula e ela brilhou que necessariamente formou água oxigenada. É preciso pensar no contexto, se tem a possibilidade de formar peroxinitrito ou ácido hipocloroso, como acontece em condições inflamatórias, por exemplo. Se você tem uma desconfiança, precisa fazer controles adicionais,” explica a pesquisadora.
Como a Hyper7 funciona
O peróxido de hidrogênio é um metabólito central na biologia redox. Ele é gerado em diferentes compartimentos celulares, como mitocôndrias, peroxissomo, retículo endoplasmático e pelas NADPH oxidases associadas a membranas. Diferente de oxidantes mais agressivos, o H₂O₂ apresenta reatividade limitada e seletiva, sendo considerado um importante mediador de respostas celulares.
Apesar de sua importância, detectar o H₂O₂ em tempo real e em locais precisos continua a ser um desafio. Foi para resolver esse problema que o grupo liderado pelo pesquisador russo Vsevolod V. Belousov desenvolveu a sonda fluorescente HyPer, uma proteína desenhada para detectar o peróxido de hidrogênio em células e organismos. Com o tempo, esse tipo de sonda foi aprimorado, até chegar à Hyper7, uma versão mais sensível.
A estratégia consiste em inserir uma proteína fluorescente modificada no domínio regulatório de OxyR, uma proteína bacteriana que tem um grupo tiól muito sensível ao peróxido de hidrogênio. Dessa forma, a HyPer7 emite fluorescência na presença do peróxido de hidrogênio, tornando sua dinâmica visível em células vivas.
“Essas sondas são proteínas quiméricas, que podem ser direcionadas com precisão a compartimentos subcelulares específicos. Elas dão uma localização espacial, onde o peróxido de hidrogênio está sendo produzido, e para onde ele se dirige na célula, permitindo acompanhar uma sinalização. Além disso, podem ser expressas tanto em culturas de células quanto em organismos inteiros,” explica Augusto.
No entanto, a pesquisadora afirma que os experimentos originais realizados in vitro para avaliar a reação dessa sonda com outros oxidantes biológicos, como o peroxinitrito e o ácido hipocloroso, foram conduzidos em condições não otimizadas, o que pode ter limitado a interpretação dos resultados.
O estudo
Para realizar o estudo, os pesquisadores precisaram de quantidades consideráveis da proteína. Para garantir sua alta expressão bacteriana, eles construíram um novo plasmídeo (uma pequena molécula circular de DNA carregando genes adicionais) em colaboração com o grupo de Luís Netto, do Instituto de Biociências da USP. Depois de purificar a proteína e confirmar que ela era funcional, combinaram análises espectroscópicas com medições cinéticas rápidas para comparar como diferentes oxidantes reagiam com a sonda.
Os experimentos confirmaram que o H₂O₂ é o oxidante mais específico da HyPer7, mas mostraram que a sonda também reage com o peroxinitrito e o ácido hipocloroso. A velocidade dessas reações varia: o peróxido de hidrogênio oxida a sonda mais rapidamente que o peroxinitrito, mas mais lentamente que o ácido hipocloroso. Todas as três reações geraram principalmente HyPer7 dissulfeto, embora o peroxinitrito e ácido hipocloroso também gerem outros produtos.
Formado pela reação entre o óxido nítrico e o superóxido, o peroxinitrito é um oxidante potente que tem como alvo grupos tiól em proteínas reguladoras como as peroxirredoxinas, proteínas essenciais para a manutenção do equilíbrio redox celular.
O ácido hipocloroso, por sua vez, é produzido por células do sistema imune e tem reatividade ainda mais alta. Ele reage praticamente com todos os tióis disponíveis em proteínas, o que o torna um oxidante potente, mas pouco seletivo, quando comparado com o H₂O₂ e o peroxinitrito.
Os resultados reforçam a hipótese, já discutida por outros pesquisadores, de que essas sondas talvez não detectem apenas uma molécula específica, como o peróxido de hidrogênio, mas mostrem o estado geral de oxidação e redução dos grupos tióis nas células. Grupos tióis são regiões das proteínas que contêm enxofre e funcionam como sensores e reguladores das reações redox, controlando diversos processos celulares.
“Essas sondas são reversíveis”, explica Ohara Augusto. “Quando há produção de água oxigenada, a proteína é oxidada e emite fluorescência. Mas, como toda proteína, ela também pode ser reduzida por agentes redutores do meio celular. Então, embora seja usada normalmente para detectar a água oxigenada, ela na verdade mede a diferença de estado de oxidação dos tióis reativos da HyPer. Isso é a base da sinalização redox.“
Como essas ferramentas são amplamente utilizadas em células vivas e em organismos inteiros, demonstrar sua reatividade ampliada tem implicações importantes para interpretar experimentos de sinalização redox e estresse oxidativo.
O artigo HyPer7: High-Level Bacterial Expression and Kinetics Showing Significant Oxidation by Peroxynitrite and Hypochlorous Acid, de Edlaine Linares, Fernando R. Coelho, Natalia E. Lemos, Thiago G.P. Alegria, Luis E.S. Netto e Ohara Augusto, pode ser lido aqui.
