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Como funcionam as moléculas que fazem nossa pele ‘sentir’ a luz solar

E por que a exposição moderada ao sol sem proteção faz bem para a saúde
PorBy Maria Celia Wider
• CEPIDRIDC Redoxoma
16/03/2021
São Paulo, Braszil

A pele, maior órgão do corpo humano, é também um órgão de detecção de luz, com um sistema fotossensível semelhante ao do olho. Quando nos expomos ao sol, nossa pele recebe não apenas a temida radiação ultravioleta, mas também luz visível e radiação infravermelha. São bilhões de fótons, que interagem com moléculas que absorvem luz presentes na pele, como biomoléculas, cromóforos endógenos, pigmentos e opsinas. Os efeitos benéficos ou nocivos da exposição ao sol dependem dessas interações.

“As células da nossa pele têm moléculas que foram selecionadas na evolução biológica para sentir a luz, temos muitos pigmentos na pele que absorvem luz. Os fótons em si não são mutagênicos, não fazem nada, a não ser que sejam absorvidos — aí eles participam de reações fotoquímicas, gerando moléculas em estados excitados, que reagem quimicamente com outras moléculas”, explica o professor Mauricio S. Baptista, do Instituto de Química da USP e do CEPID Redoxoma.

Dentre as moléculas que captam luz, as opsinas são proteínas que modulam muitas das respostas celulares à exposição ao sol e podem ser consideradas como ‘os olhos da pele’. “As opsinas, na realidade, são receptores que têm um cromóforo, ou seja, uma porção que interage físico-quimicamente com a energia luminosa, provocando uma mudança na conformação da molécula inteira. Por ser uma proteína da membrana celular, ao mudar a conformação ela passa a interagir com outras proteínas intracelulares e desencadeia uma cascata de reações, provocando uma resposta biológica”, afirma a professora Ana Maria de Lauro Castrucci, do Instituto de Biociências (IB) da USP e da University of Virginia.

Os grupos de Baptista e de Castrucci publicaram o artigo de revisão How does the skin sense sun light? An integrative view of light sensing molecules, no Journal of Photochemistry & Photobiology, C: Photochemistry Reviews, com o objetivo de fornecer uma análise global de como a pele detecta a luz de diferentes comprimentos de onda por meio de interações com cromóforos e opsinas.

Opsinas

Células da pele, como queratinócitos, fibroblastos e melanócitos podem detectar a presença de luz solar usando opsinas. No entanto, isso era desconhecido até o ano de 2000, pois só se conheciam as opsinas de visão, presentes na retina: a rodopsina e as opsinas de cones para visão em cores. Nessa época já se sabia que a pessoa cega continuava tendo ritmos biológicos ajustados ao ciclo de claro/escuro, mas, em experimentos com animais, descobriu-se que, se os olhos fossem retirados, esse ajuste era perdido. Faltava descobrir quais eram as moléculas responsáveis por isso. Foi então que, “usando como modelo a rã africana Xenopus laevis, cuja pele muda de cor ao receber luz, cientistas americanos isolaram uma nova opsina, que chamaram de melanopsina, porque foi encontrada em melanóforos. A melanopsina, presente na retina de todos os vertebrados, é responsável pela percepção do claro/escuro, sem formar imagem,” conta a professora Castrucci, que fazia um estágio sênior no laboratório do pesquisador Ignacio Provencio, onde foi feita a descoberta, e desde então trabalha com esses fotopigmentos.

Além do ajuste do ritmo circadiano, essas opsinas estão associadas ao reflexo pupilar, que controla o diâmetro das pupilas em resposta à intensidade da luz; e à diminuição da produção de melatonina por exposição à luz — é por isso que não se deve ter luz acesa no quarto durante a noite, nem televisão ligada. Sabe-se que a melanopsina é mais sensível ao comprimento de onda correspondente à cor azul.

Investigando as propriedades da melanopsina, o grupo de Castrucci descobriu que essas opsinas são também sensíveis à variação de temperatura e estão presentes em “tecidos cegos”, como tecido adiposo branco e marrom, e em órgãos internos, como o coração. A pesquisadora acredita que elas possam ter um papel como sensores de temperatura e de metabólitos.

Desde a descoberta das melanopsinas na pele de rãs, diversos outros tipos de opsinas foram encontrados em células da pele de vários animais, incluindo mamíferos. Em humanos, uma grande variedade de opsinas é expressa em diferentes tipos de células da pele, incluindo queratinócitos, melanócitos, fibroblastos e células do folículo capilar. “Nesses últimos 20 anos houve uma tremenda evolução na descoberta de outras opsinas presentes não só no Sistema Nervoso Central, mas também na pele de mamíferos”, afirma a pesquisadora.

Embora essas opsinas sejam responsáveis pela detecção da luz na pele, suas funções biológicas ainda não foram bem esclarecidas. Por enquanto, estudos já demonstraram que elas modulam diversos processos fisiológicos da pele, incluindo cicatrização de feridas, melanogênese, fotoenvelhecimento e crescimento de pelos. E, segundo os pesquisadores, podem ser responsáveis pelos benefícios da exposição ao sol.

Sol: amigo ou inimigo?

O sol emite um amplo espectro de radiação eletromagnética, que inclui raios gama, radiação ultravioleta, luz visível e radiação infravermelha. Grande parte dessa radiação não atinge a superfície da Terra, que é protegida principalmente por seu campo magnético e pela camada de ozônio. A camada de ozônio absorve radiação abaixo de 280 nanômetros, o que significa que apenas a radiação ultravioleta A e B (UVA e UVB), a visível e a infravermelha entram em contato com a pele humana.

Imagem originalmente criada pelo SCENIHR, sob Creative Commons
Imagem originalmente de Scientific Committee on Emerging and Newly Identified Health Risk (Health Effects of Artificial Light, Report, 2012) http://dx.doi.org/10.2772/8624, sob Creative Commons

Baptista explica que, logo após a absorção de um fóton por uma molécula no estado fundamental, é formado um estado excitado, que é muito mais reativo do que seu respectivo estado fundamental. Os mecanismos de dano induzidos pela radiação solar se devem principalmente a essa fotossensibilização, um processo pelo qual as moléculas transformam a energia da luz em reatividade química.

Passar períodos excessivos de tempo ao sol é prejudicial à pele e à saúde em geral. Moléculas do nosso DNA absorvem os fótons UVB, gerando uma reação fotoquímica que resulta em dano ao DNA. O efeito agudo dessas alterações do DNA é uma forte resposta inflamatória também conhecida como queimadura de sol, na qual a pele fica avermelhada e dolorida ao toque. Quando o dano ao DNA não é reparado, ocorrem mutações que podem levar ao desenvolvimento de câncer.

Por isso, as estratégias de fotoproteção focam principalmente em evitar a exposição aos raios UV. No entanto, segundo os pesquisadores, essas estratégias são equivocadas, porque essa radiação compreende apenas cerca de 2% da radiação solar que atinge a superfície da Terra. A maioria dos fótons que chega até nós está na faixa do visível, cerca de 47%, e do infravermelho, cerca de 51%. “É inegável que uma pessoa que tome banho de sol na praia usando corretamente o protetor solar à venda no mercado não ficará protegida contra 98% dos fótons que entrarão em contato com a pele”.

E não são apenas os raios UV que são perigosos. Os fótons nas faixas visível e infravermelho penetram muito mais profundamente na pele do que os raios UV, geram oxidantes reativos e podem saturar as defesas redox da pele. Quando pegamos sol usando filtro solar, ficamos bronzeados. Isso se deve à produção de melanina pelos melanócitos, células localizadas na barreira entre a epiderme e a derme que percebem a luz azul e a radiação UVA por meio das opsinas. A melanina é um pigmento responsável pela coloração da pele e pela proteção contra os raios UVB. No entanto, induzida pela luz visível e por radiação UVA, ela também pode causar estresse oxidativo e lesões indiretas de DNA, como já foi demonstrado pelo grupo de Baptista.

Mas o banho de sol também traz muitos efeitos benéficos para a saúde. O mais conhecido é a síntese de vitamina D: aproximadamente 90% de toda a vitamina D usada em nosso corpo é formada pela ação dos raios UVB na pele. A vitamina D tem um papel importante na regulação dos níveis de cálcio e fósforo no nosso organismo, melhorando a saúde óssea e muscular, fortalecendo o sistema imunológico e prevenindo vários tipos de câncer, doenças cardiovasculares, depressão e outras doenças.

Além disso, usamos a luz do sol para ajustar nosso relógio biológico central e interrupções neste ritmo podem ter efeitos negativos para a saúde. A baixa exposição ao sol também pode agravar condições como obesidade e doenças cardiovasculares. Outro benefício importante da exposição ao sol foi mostrado em um estudo inglês segundo o qual 20 minutos de exposição ao sol podem reduzir a pressão arterial por horas. A explicação seria que radiação solar ativa a produção de óxido nítrico, um potente vasodilatador, que reduz a pressão arterial. Isso pode explicar a maior incidência de doenças cardiovasculares em latitudes mais altas do que nos trópicos. Outro estudo avaliou quase 30.000 mulheres por 20 anos na Suécia e mostrou que mulheres que se expunham regularmente ao sol viviam até dois anos mais do que as que não recebiam muita luz solar.

Considerando essas evidências, os pesquisadores destacam a necessidade urgente de um novo paradigma de fotoproteção, que considere os benefícios para o bem-estar e para a saúde humana da exposição moderada ao sol sem o uso de filtro solar. As estimativas de quanto tempo é considerado uma “exposição moderada” variam. Segundo os autores, estudos populacionais mostram que pessoas com pele clara, em regiões temperadas, devem passar cerca de 10 a 20 minutos tomando banho de sol, três vezes por semana, com todo o corpo exposto — sem o uso de protetor solar. Pessoas com tons mais escuros de pele, ou seja, que produzem mais melanina, podem se expor mais ao sol sem sofrer os efeitos agudos da radiação na pele, mas não estão a salvo dos efeitos crônicos. Portanto, devem igualmente seguir a recomendação de pegar sol sem proteção por um tempo limitado.

O artigo How does the skin sense sun light? An integrative view of light sensing molecules, de Leonardo Vinicius Monteiro de Assis, Paulo Newton Tonolli, Maria Nathalia Moraes, Maurício S. Baptista e Ana Maria de Lauro Castrucci, pode ser lido aqui.