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Cientistas revelam novo modulador do metabolismo de glicose em astrócitos

E mostram a relação entre essa regulação e o desempenho cognitivo de camundongos
PorBy Maria Celia Wider
• CEPIDRIDC Redoxoma
02/01/2023
São Paulo, Braszil

Pesquisadores do CEPID Redoxoma descobriram que alterações no transporte de cálcio mitocondrial em astrócitos modificam o metabolismo cerebral e melhoram o desempenho cognitivo de camundongos. Eles demonstraram que o transportador NCLX, responsável pelo efluxo de cálcio das mitocôndrias, modula o fluxo glicolítico e a secreção de lactato, moldando a sinalização citosólica de cálcio. Desta forma, o NCLX pode atuar no controle do metabolismo cerebral, afetando o transporte de lactato de astrócitos para neurônios e, portanto, a função cerebral.

A pesquisa, publicada no Journal of Neurochemistry, foi realizada por João Victor Cabral-Costa durante seu doutorado, sob orientação da professora Alicia Kowaltowski, do Instituto de Química da USP e do CEPID Redoxoma. O pesquisador desenvolveu parte do trabalho em colaboração com grupo do professor Juan P. Bolaños, na Universidade de Salamanca, na Espanha, com uma Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE), da FAPESP.

“O principal impacto desse trabalho foi a abertura de uma nova linha de pesquisa, um caminho para entender melhor a função do NCLX. Sabemos que no Alzheimer e no Parkinson ela é muito importante, além de ter um papel em outras doenças e outros órgãos. Esse é um dos primeiros trabalhos que observaram uma modulação do metabolismo celular pelo NCLX. Pode ser que o NCLX atue como um sensor ou faça parte de um sistema de integração que ajude a detectar a demanda energética dos astrócitos — que está diretamente relacionada com o funcionamento de neurônios e com a atividade cerebral. Então como ferramenta de pesquisa esse achado é bem importante, porque estamos reforçando a teoria da lançadeira de lactato, do acoplamento do metabolismo entre astrócitos e neurônios,” afirmou Cabral-Costa.

Nossas células dependem de cálcio para funcionar. A concentração íons de cálcio (Ca2+) intracelular é rigorosamente controlada por transportadores na membrana plasmática, retículo endoplasmático e mitocôndrias. Nas mitocôndrias, o cálcio induz a atividade de diversas enzimas associadas ao metabolismo oxidativo, acoplando a oferta de ATP às demandas energéticas das células. Assim, o transporte de cálcio mitocondrial — em especial, o influxo pelo uniporter de Ca2+ mitocondrial (MCU) e o efluxo pelo trocador de Na+/Ca2+ mitocondrial (NCLX) — constitui um ponto crítico da regulação metabólica.

Astrócitos

Astrócito. Figura: João Victor Cabral-Costa
Astrócito.
Figura: João Victor Cabral-Costa

Do ponto de vista metabólico, o cérebro é considerado nosso órgão mais ativo e, embora represente 2% do peso corporal de uma pessoa adulta, consome cerca de 25% energia corporal (em repouso). Cabral-Costa conta que os pesquisadores estavam interessados em estudar o papel fisiológico do transporte mitocondrial de cálcio na função cerebral. Em uma busca em duas bases de dados públicas de transcriptômica de cérebro de camundongos, ou seja do conjunto de todas as moléculas de RNA expressas no cérebro, eles viram que os astrócitos expressam mais RNA mensageiro de NCLX do que outras células cerebrais, com um enriquecimento de até 10 vezes.

Flutuações de cálcio dentro das mitocôndrias e do citosol impactam o metabolismo e o NCLX é uma proteína mitocondrial responsável pelo fluxo de cálcio mitocondrial, movendo íons de cálcio da matriz mitocondrial para o espaço intermembranar em troca de íons de sódio extramitocondriais. O manejo do cálcio mitocondrial é fundamental para a homeostase cerebral, atuando em vários processos, como a integração da atividade astrócitos-neurônios, o controle do metabolismo energético e a neurodegeneração.

“Em geral, quando escutamos algo sobre o cérebro, é natural pensarmos logo nos neurônios, que são as células que transmitem os impulsos elétricos. De fato, a literatura é muito centrada em neurônios. Mas existem vários outros tipos celulares no cérebro, principalmente as chamadas células da glia, das quais os astrócitos fazem parte, e que são igualmente importantes,” explica o pesquisador

Os astrócitos, assim chamados por seu formato estrelado, já foram considerados células que apenas sustentavam os neurônios, mas hoje se sabe que desempenham diversas funções. Eles ajudam a controlar o balanço iônico no cérebro, modulam a comunicação nas sinapses e têm papel na nutrição dos neurônios. São também um dos componentes da barreira hematoencefálica, ajudando a proteger o cérebro contra patógenos e toxinas. Além disso, influenciam a migração dos neurônios e funcionam como um isolante nas sinapses, controlando a concentração de neurotransmissores e impedindo a propagação desordenada de impulsos nervosos. Basicamente, sem os astrócitos, os neurônios não funcionam direito.

Para investigar os efeitos do NCLX na função dos astrócitos, os pesquisadores inibiram farmacologicamente a proteína em uma cultura primária de astrócitos de camundongos. Como resultado, observaram um aumento do fluxo glicolítico e da secreção de lactato, sugerindo que o NCLX tem um papel funcional chave na homeostase metabólica dessas células.

Como o lactato secretado pelos astrócitos é usado como substrato pelos neurônios, com efeitos conhecidos na memória e na plasticidade sináptica, os pesquisadores resolveram investigar o impacto dessas alterações metabólicas na função cerebral in vivo. Para isso, deletaram o NCLX em astrócitos e em neurônios do hipocampo de camundongos e os submeteram a testes de avaliação comportamental e cognitiva. O hipocampo é uma estrutura do cérebro envolvida na formação de novas memórias e associada ao aprendizado e às emoções.

Os pesquisadores observaram que a deleção de NCLX específica de astrócitos no hipocampo melhorou aspectos do desempenho cognitivo dos camundongos. A deleção de NCLX em neurônios promoveu efeitos deletérios.

Cabral-Costa explica que os astrócitos têm respiração mitocondrial muito ativa, ou seja, eles oxidam substratos pela mitocôndria, mas também são células bem fermentativas — têm um fluxo glicolítico muito ativo — e secretam lactato. “Em 1994, Pellerin and Magistretti levantaram a hipótese de que haveria um shuttle, uma lançadeira de lactato produzido pelos astrócitos para os neurônios. Embora alguns pontos ainda sejam debatidos, hoje essa teoria está bem fundamentada. A lançadeira de lactato entre astrócitos e neurônios está associada a vários processos cerebrais, inclusive com funções cognitivas superiores. Então se você modula esse sistema, afeta parâmetros eletrofisiológicos associados à memória, à plasticidade sináptica em neurônios, por exemplo”.

Pesquisa básica

Com este trabalho, Cabral-Costa recebeu o prêmio de melhor comunicação oral entre jovens cientistas e melhor pôster do dia no Young Scientists’ Forum (YSF 2022) realizado no ano passado, em Portugal, durante The Biochemistry Global Summit, que englobou o 25º Congresso IUBMB, o 46º Congresso FEBS e o 15º Congresso PABMB.

Para o pesquisador, o trabalho ressalta a importância da pesquisa básica. “Estávamos investigando a função fisiológica de um transportador de cálcio mitocondrial de astrócitos em camundongos. Isso é super interessante do ponto de vista bioquímico – cultura de astrócitos, traçados de cálcio, dosagens de lactato. Mas daí? Já sabemos todo o mecanismo envolvido? Achamos uma cura? Não. Só que os caminhos que abrimos — ou, usando a metáfora do Marcelo Gleiser, na Ilha do Conhecimento, essa areia que colocamos para aumentar a borda da ilha — abrem novas possibilidades de linhas de pesquisa, e a gente consegue pensar no impacto lá no futuro. Não que toda pesquisa básica tenha que gerar uma possibilidade de aplicação: mas aqui mostramos que a pesquisa básica tem o potencial de contribuir para o avanço da ciência, de uma maneira ou de outra.

O artigo Mitochondrial sodium/calcium exchanger NCLX regulates glycolysis in astrocytes, impacting on cognitive performance, de João Victor Cabral-Costa, Carlos Vicente-Gutiérrez, Jesús Agulla, Rebeca Lapresa, John W. Elrod, Ángeles Almeida, Juan P. Bolaños e Alicia J. Kowaltowski, pode ser lido aqui.