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Alicia Kowaltowski é laureada com o Prêmio Internacional L’Oréal-UNESCO para Mulheres na Ciência 2024

PorBy Maria Celia Wider
• CEPIDRIDC Redoxoma
14/05/2024
São Paulo, Braszil

A pesquisadora Alicia Kowaltowski, do Instituto de Química da USP e do CEPID Redoxoma, foi laureada com o Prêmio Internacional L’Oréal-UNESCO para Mulheres na Ciência para América Latina e Caribe, na categoria Ciências da Vida e Ambientais.

A cientista foi premiada por sua contribuição fundamental para a biologia das mitocôndrias, que são ‘a principal fonte de energia das células, funcionando como suas baterias’. De acordo com os organizadores do prêmio, “Seu trabalho tem sido fundamental para a compreensão das implicações do metabolismo energético nas doenças crônicas, incluindo a obesidade e a diabetes, bem como no envelhecimento. Sua notável contribuição como investigadora e mentora, bem como sua defesa da ciência na América Latina e sua divulgação ao público são inspiradoras para jovens cientistas.”

O Prêmio Internacional L’Oréal-UNESCO para Mulheres na Ciência é concedido todos os anos a cinco mulheres cientistas de destaque, em cada uma das seguintes regiões: África e Estados Árabes, Ásia e Pacífico, Europa, América Latina e Caribe, e América do Norte. A cada ano, o júri internacional alterna entre as categorias Ciências da Vida e Ambientais e Ciências Físicas, Matemática e Ciência da Computação. O programa foi fundado em 1998 com o lema “o mundo precisa da ciência e a ciência precisa das mulheres”.

Laboratório de Metabolismo Energético
Laboratório de Metabolismo Energético — Foto: Arquivo do laboratório.

“Eu acho essa premiação até meio desconfortável de certa maneira, porque o prêmio vai para uma pessoa, mas o trabalho é de um grupo. Não vejo como um prêmio meu, eu acho que é um reconhecimento ao trabalho do laboratório”, afirmou a pesquisadora, que é formada em medicina pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com doutorado em ciências médicas na mesma universidade e pós-doutorado na Oregon Graduate Institute. Ela é membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

Em entrevista ao site do CEPID Redoxoma, Kowaltowski, que publicou mais de 160 artigos científicos, falou sobre sua careira e os desafios de fazer ciência no Brasil. “Realmente quem consegue fazer ciência aqui é por heroísmo mesmo. Nós fazemos. E fazemos ciência reconhecida internacionalmente”, afirmou. Leia abaixo trechos da entrevista.

Você poderia falar um pouco sobre sua formação e sobre como surgiu seu interesse por ciência

Na verdade eu acredito que o ser humano nasce cientista. A gente nasce curioso, querendo entender o mundo, perguntando o porquê. Eu tenho a sorte de ter crescido numa família de cientistas, meus pais são professores da Unicamp e cresci num ambiente acadêmico científico, ganhei kit de química quando criança, ganhei microscópio. Então nunca perdi essa curiosidade. Mais ou menos pela 7ª ou 8ª série antiga, tive aulas de ciência sobre o corpo humano, sobre o que eram hormônios, esse tipo de coisa, e fiquei bem interessada. No colegial da época, que é o ensino médio agora, saí do colégio em que estava e fui fazer colégio técnico em bioquímica, o ETECAP, uma escola técnica estadual que faz parte do Centro Paula Souza. Ele tinha tanto o currículo normal do ensino médio quanto o ensino técnico a mais, então a gente tinha aulas a mais de química, de bioquímica, de laboratório. Acho que isso foi bem importante para minha formação, porque aprendi ainda no ensino médio a maioria da técnicas básicas que a gente usa em laboratório até hoje.

No final do ensino médio a gente começa a pensar em vestibular e o Brasil tem essa coisa de você entrar numa carreira muito específica, que sou super contra. Eu gostava muito da área biológica, mas biologia molecular — eu gostava de bioquímica mesmo, não me interessava muito por taxonomia, classificação, que é muito da biologia que a gente vê no ensino médio. Então optei por prestar medicina. Hoje vejo que a biologia também virou extremamente molecular, acho que eu também teria encontrado meu nicho se eu tivesse feito uma formação biológica mais geral. No primeiro ano de medicina tive uma oportunidade de ir para o Instituto Weizmann de Ciência, em um programa para estudantes jovens, para passar um período de férias num laboratório lá. Quando voltei, fiz uma pergunta em sala de aula relacionada a esse estágio para o professor Aníbal Vercesi e ele disse que só poderia me responder no laboratório, me chamou para o laboratório e me convidou para trabalhar com ele. Ele tem uma habilidade de perceber estudantes interessados. Comecei a fazer iniciação científica no laboratório dele ainda no primeiro ano de faculdade e, até chegar ao internato, quando a gente começa a atender pacientes, eu já estava encantada pelo processo de fazer pesquisa. No internato a gente passa por várias especialidades, de algumas eu gostava bastante, mas não conseguia manter o interesse por todo tempo, eu não conseguia me ver fazendo aquilo pelo resto da vida. No laboratório, o processo de descoberta todo dia é diferente, todo dia você pensa para onde está indo.

Seu interesse por metabolismo energético e mitocôndrias vem do trabalho com o professor Vercesi?

O Aníbal já trabalhava com metabolismo energético e bioenergética mitocondrial. Ele fez pós-doutorado no laboratório do Albert Lehninger, que é o grande papa da área e escreveu o livro texto que a gente usa até hoje. É uma grande sorte ter sido convidada a participar de um laboratório de uma área da qual acabei gostando muito.

O que nessa área mais te interessa?

Acho que o importante do metabolismo é que ele é a própria definição do que é um ser vivo. Um ser vivo é uma coisa difícil de se definir. Algumas das definições que existem são a capacidade de se reproduzir, mas nem todos se reproduzem; a capacidade de crescer, mas depois que a gente está na fase adulta não cresce mais; a capacidade de transformar o ambiente: isso é metabolismo. Mudar as moléculas que a gente come ou as moléculas entre uma e outra, o conjunto de reações químicas que transforma moléculas é o que é metabolismo. Isso significa que, em última instância, qualquer causa de morte é uma falha metabólica. Tem aplicações para tudo. O metabolismo está no cerne do que é um ser vivo e afeta qualquer processo biológico e qualquer sistema biológico.

Quais são suas principais contribuições na área?

Mais recentemente, acho que a gente contribuiu bastante para entender como diferentes dietas alteram o metabolismo energético de forma a afetar doenças relacionadas à idade. Essa é uma linha de pesquisa que se estabeleceu há pouco mais de 15 anos no laboratório. Antes disso e no pós-doutorado, um achado muito importante que a gente fez foi entender como mitocôndrias podem proteger o coração contra infarto por meio do transporte de íons através da membrana. E, antes disso, no doutorado e também no trabalho de iniciação científica, foi entender processos que regulam a produção mitocondrial de oxidantes, porque a mitocôndria é uma fonte importante de radicais livres e oxidantes, justamente porque o metabolismo envolve tanta transferência de elétrons.

Você escreveu o livro de divulgação científica ‘O que é Metabolismo: como nossos corpos transformam o que comemos no que somos’ e mantém uma coluna quinzenal no jornal digital Nexo, entre outras atividades. Você poderia falar sobre seu trabalho de divulgação científica?

É interessante. Quando comecei a trabalhar aqui no Brasil de volta como pesquisadora, estava trabalhando muito com proteção de infarto e o público em geral estava menos interessado. Quando comecei a trabalhar com dietas e metabolismo — as pessoas têm um interesse gigantesco em obesidade, em ser magro, em dietas — passei a ser mais procurada. A gente sempre divulgou as publicações do laboratório através da Agência FAPESP, do Jornal da USP, do site do CEPID Redoxoma. Mas naquele momento eu comecei a ser mais e mais procurada para assuntos mais gerais. Aí você começa a treinar como apresentar isso para um público mais geral e começa a perceber que as dúvidas do público são, por exemplo, sobre o que é o metabolismo, as pessoas nem sabem que são reações químicas que acontecem dentro da gente, também a diferença entre carboidrato e caloria não é clara para muita gente. São coisas muito mais básicas. Comecei a fazer algumas palestras sobre o que é o metabolismo, a definição mesmo, mostrar o primeiro mapa metabólico para as pessoas. Dali isso foi crescendo, veio escrever o livro, veio escrever algumas colunas, eu comecei com coisas mais gerais para o Instituto Questão de Ciência, que também catalisou um pouco isso, e para o jornal da USP. Aí fui convidada para escrever no Nexo, no final de 2029. Coincidiu de pouco depois vir a pandemia, que precisou de muita divulgação científica. Também tive muitos estudantes interessados em divulgação científica, como o Ignácio Amigo, que virou divulgador em tempo integral, a Graciele Oliveira também, a Ana Bonassa [Nunca vi 1 cientista]. Então tem essa ambiente do laboratório em que muitas pessoas estavam fazendo isso e você também aprende o que funciona.

Outra linha de frente na qual você tem atuado é a discussão sobre as altas taxas de processamento de artigos cobradas pelas revistas científicas para acesso aberto. Como está sendo isso?

Na vida acadêmica você acaba fazendo várias coisas diferentes. Por acaso vi essa transformação no mundo das publicações acontecendo. Primeiro surgiram as revistas open access (acesso aberto) e era uma opção, mas não a principal opção. Aí começou a ficar mais caro e veio o plano S europeu, propondo mudar todas as revistas para acesso aberto somente. E quando esse plano saiu, em final de 2018, eu já vinha discutindo com um grupo de colegas mitocondriólogos, o Marcus Oliveira, da UFRJ, e o Ariel Silber, do ICB-USP, sobre publicações, sobre índice de impacto ser muito menos importante do que o corpo editorial de uma revista, sobre como a gente queria escolher onde publicar melhor. Eu e o Ignacio Amigo já havíamos publicado na newsletter do Redoxoma sobre as revistas de grife que estavam aparecendo. Então quando saiu essa ideia do Plano S, nós três discutimos e o Marcus e eu acabamos mandando uma carta para a revista Science, falando que isso seria a destruição dos países em desenvolvimento, porque não estava claro como controlariam os preços. E infelizmente estávamos certos, porque os preços aumentaram muito, um grande número de revistas virou só acesso aberto e as opções para publicar sem pagar diminuíram. Isso diminui a nossa visibilidade. Fala-se muito em ter acessibilidade ao artigo completo, concordo que é um problema, mas é pior a gente não ser lido. Então comecei a escrever e falar sobre isso e quando você começa a agitar, começa a ser procurado também.

Como você vê opção de preprint e a questão da revisão por pares de artigos em preprint?

Eu gosto muito do preprint. Inicialmente eu não via muita vantagem. Mas depois entendi que é uma opção para você colocar o texto completo online gratuitamente, porque essas bases de dados são mantidas por instituições públicas, e já começar um debate sobre seu trabalho. É uma maneira também de você se proteger de ter sua ideia roubada. Acho que esse pode ser o caminho para a ciência aberta gratuita e também uma maneira de tirar um pouco o poder das grandes editoras, que sabidamente lucram demais. Não sou contra editora profissional ser para fins lucrativos. Mas o lucro deles é desproporcional. E é uma maneira de tirar um pouco esse poder e transformar talvez esse mercado de publicações em uma coisa mais controlada por nós cientistas.

Mas grande maioria dos preprints não é revisada por pares e isso eu vejo como um problema. A revisão por pares para mim é super importante, mas também está em crise, porque é tanta submissão de artigos, que a gente não está conseguindo bons revisores. É um processo de transformação que não está bom. Acho que a gente tem que repensar também quantos trabalhos precisamos publicar e publicar menos e melhor. A avaliação científica responsável está muito ligada com essa transformação no mundo das publicações. Se a gente avaliar de forma responsável, as pessoas vão publicar de forma mais responsável também. E isso me interessa. Sou representante da Fapesp — que é a representante brasileira — , na Global Research Council, uma organização de agências de fomento, onde se discute muito a avaliação científica e como fazer isso de uma maneira mais responsável. É muito claro para nós que temos que parar de contar papers ou fatores ou indicadores e começar a olhar mais para o que está progredindo mesmo em termos de conhecimento, de formação.

Qual a importância, na sua opinião, de um prêmio para mulheres cientistas?

Primeiro, eu gosto do fato desse prêmio da L’Oréal UNESCO ter sempre sido um um prêmio para mulheres. Acho interessante porque ele foi instituído para criar “role models”, exemplos, e inspirar pessoas, dizer ‘você também pode ser cientista’. Por outro lado, eu venho de uma área e de um país em que somos, na maioria, mulheres e acho interessante e me pergunto quanta ciência existe por trás disso. Se a gente quer mais mulheres em diferentes áreas, em diferentes países, será que não devem olhar para o modelo brasileiro e perguntar por que na área biológica nós somos maioria? Talvez seja devido a exemplos mesmo, talvez seja porque a Mayana Zatz ganhou esse mesmo prêmio em 2001. Acho que a gente deveria abordar tudo, inclusive a inclusão, com mais ciência. A gente deveria estudar esse fenômeno, para tentar entender o porquê disso.

E, para você, qual a importância de receber esse prêmio?

Acho essa premiação até meio desconfortável de certa maneira, porque o prêmio vai para uma pessoa, mas o trabalho é de um grupo. Não vejo como um prêmio meu, eu acho que é um reconhecimento ao trabalho do laboratório e o laboratório não existe sem todo o entorno, em primeiro lugar, e o Redoxoma é muito importante nesse sentido. Além disso, as pessoas do laboratório, sempre falo que a Camille Caldeira é a pessoa mais importante do laboratório e o segredo do sucesso é termos uma especialista de laboratório de longo prazo, que treinou todos os estudantes. E os estudantes. Se tenho um talento como cientista, é de escolher esses jovens. Os alunos e pós-docs do laboratório são de altíssima qualidade, eles que fizeram a ciência.

No momento, qual é o seu maior desafio científico?

Eu tenho vários desafios científicos, mas acho que tem um desafio institucional antes disso. De novo digo que esse prêmio é coletivo, porque os estudantes fazem das tripas coração aqui. A gente tem problemas de infraestrutura muito graves — a gente sempre teve problemas de infraestrutura muito graves no Brasil. Mas a degeneração nos últimos anos aumentou muito e aumentou muito a dificuldade de consertar problemas. Tudo virou mais burocrático e mais difícil: tem vazamento, tem infiltração, tem mofo, tivemos problemas elétricos estonteantes e não conseguimos respostas institucionais para resolver isso. Dar condições mínimas para pesquisa é essencial e eu sinto que a universidade às vezes está se perdendo em outras causas e esquecendo do cerne do que é uma universidade, que é ensino, pesquisa e extensão, e que essas coisas têm que ser prioritárias. Temos que manter as áreas de pesquisa deste instituto funcionantes e isso não é só aqui, e nos últimos anos tem sido muito desafiador. Ano passado meu laboratório realmente teve problemas de infraestrutura a ponto de não conseguir ir para frente cientificamente aqui — eu tinha estudantes conseguindo resultados no exterior. Acho que é um ato de heroísmo quem ainda está tentando fazer ciência aqui. E mais e mais coisas aparecem. Agora o governo estadual colocou a cláusula da DREM [Desvinculação de Receitas dos Estados e Municípios, no projeto de lei das diretrizes orçamentárias para 2025] que pode reter 30% da verba da FAPESP. A FAPESP é essencial para a pesquisa no Estado e não importa o governador dizer que não tem planos de usar esse dinheiro. Não pode fazer isso porque o investimento em pesquisa da FAPESP é a longo prazo. É muito grave isso. Foi revertida a decisão em relação à diminuição de recursos para as universidades, mas não a decisão em relação à FAPESP. E parece que toda semana, todo mês a gente tem algum outro problemas desses. Parece que tem sempre algo que nos distrai de podermos realmente focar na ciência. Às vezes vejo meus colegas de fora e eles estão ali sentados, lendo papers, enquanto eu estou procurando engenheiro elétrico e tentando aprender o que é um harmônico. Então acho que o desafio nosso é mais institucional. O fato de fazermos ciência do mesmo nível que o pessoal lá fora é incrível. Os estudantes são também heróis.

Quais são os principais desafios para a ciência brasileira, além do que você já mencionou?

É a imprevisibilidade, a facilidade com que você pode desmantelar instituições, porque o Brasil não tem uma força institucional tão grande. Isso é complicado. Aí tem os problemas mais específicos. Fora o problema de infraestrutura institucional, tem uma falta muito grande de técnicos especializados nas nossas instituições, tem problemas de importação e aquisição de reagentes, que aqui demora meses e no exterior acontece no dia seguinte. Realmente quem consegue fazer ciência aqui é por heroismo mesmo. Nós fazemos. E fazemos ciência reconhecida internacionalmente.

Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

A importância do CEPID Redoxoma em tudo isso. Ser cercado dessas pessoas muito inteligentes e questionadoras, que estão atuando na fronteira do conhecimento. Hoje de manhã tivemos reunião da meta três do Redoxoma, e sentar e conversar sobre a ciência de todos nós é o que catalisa, o que inspira a gente; a liderança de uma Ohara Augusto, que realmente mostra aquela coisa de fazer grandes perguntas, de não desistir jamais de fazer ciência de importância. Eu valorizo muito isso, quase duas décadas já entre Milênio, INCT e CEPID, esse grupo de pessoas que nos envolve, que eu acho essencial para a gente.