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Por que a química redox assusta professores e estudantes

Química o quê?
PorBy Maria Celia Wider
• CEPIDRIDC Redoxoma
14/12/2018
São Paulo, Braszil

Não existe vida sem energia e a energia usada por todos os organismos vivos é obtida por ciclos de transferência de elétrons entre doadores e aceptores. Reações de transferências de elétrons ou de oxirredução ou reações redox estão, portanto, intrinsecamente conectadas à vida.

As reações redox são um grupo de reações fundamentais na Química, estudadas em diferentes áreas, como química geral, físico-química, orgânica e inorgânica. Também são importantes em diversos processos industriais e estão presentes em nosso dia a dia, em pilhas e baterias. No entanto, essas reações são consideradas difíceis de ensinar e de aprender. Em vários países, pesquisas na área de educação química têm como foco entender os obstáculos enfrentados por professores e estudantes no aprendizado de eletroquímica.

No Instituto de Química da USP, o grupo da professora Carmen Fernandez, Coordenadora de Educação e Difusão do Conhecimento do CEPID Redoxoma, investiga o conhecimento de professores de química e vem realizando pesquisas sobre o ensino de reações redox.

Segundo a pesquisadora, as dificuldades encontradas pelos alunos podem estar associadas a problemas como a complexidade envolvendo o conceito de número de oxidação e a dificuldade em identificar os agentes oxidantes e redutores, a terminologia usada pelos professores e mesmo a linguagem imprecisa e às vezes inapropriada utilizada em livros didáticos. Obstáculos verbais e informações equivocadas tendem a reforçar concepções alternativas de professores e alunos.

No entanto, o maior problema no estudo da Química, e não apenas da eletroquímica, é exigir dos alunos a capacidade de lidar com três níveis representacionais: o macroscópico, dos fenômenos visíveis; o submicroscópico, dos conceitos abstratos; e o simbólico, da linguagem química.

Fernandez reconhece que a Química não é muito popular entre os estudantes, por ser considerada difícil e abstrata. E, pior, boa parte dos conceitos químicos apendidos na escola não faz sentido para um número significativo de estudantes. Para tornar a química mais atraente, uma possibilidade seria integrar o ensino de química e biologia. “A química pela química é muito árdua e facilmente relacionada a coisas negativas, como poluição e agrotóxicos, o que desestimula os estudantes. Por isso o apelo da bioquímica de entender a vida por meio da química é muito interessante, especialmente para adolescentes.”

O ensino de química redox

As concepções, representações, estratégias e dificuldades dos professores de química em relação ao conteúdo de reações redox vêm sendo avaliadas por pesquisadores do grupo de Fernandez em várias frentes. No primeiro semestre de 2018, 40 professores do ensino médio de escolas públicas participaram de um curso de formação continuada desenvolvido pela doutoranda Luciane Fernandes de Goes. O curso, ministrado por Goes e pelo também doutorando Pablo Micael Araujo Castro, abordou as dificuldades em relação ao conteúdo de reações redox e as estratégias para superá-las.

Anike A. Arnaud, Pablo M. A. Castro, Luciane F. de Goes e Carmen Fernandez

Anike A. Arnaud, Pablo M. A. Castro, Luciane F. de Goes e Carmen Fernandez
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Para elaborar o curso, a pesquisadora fez um levantamento das principais concepções e dificuldades relatadas na literatura ao longo de 10 anos e verificou as estratégias de sucesso utilizadas. Ela analisou as representações de reações redox em livros didáticos, para ver como as imagens se relacionam com o texto. Também passou um ano na Alemanha, onde acompanhou professores e constatou que eles têm dificuldades semelhantes às dos professores brasileiros em relação ao ensino de reações redox.

No curso, os pesquisadores aplicaram um questionário desenvolvido por Castro em seu doutorado para avaliar como os professores ensinam eletroquímica. O questionário aborda cinco aspectos relacionados ao ensino: como o professor organiza os conceitos de um currículo, quais as dificuldades que percebe no ensino, quais as dificuldades dos alunos, como escolhe as representações e quais estratégias conceituais utiliza.

Tanto na avaliação do curso quanto nos resultados obtidos com o questionário, que já foi respondido por mais de 100 professores, os pesquisadores apontam que as principais dificuldades dos professores de química são a elaboração de estratégias de ensino e a escolha de representações. “O curso influenciou o desenvolvimento dos professores. Observamos que eles passaram a justificar estratégias e a compreender melhor alguns conceitos”, avalia Goes.

O livro didático é o instrumento de apoio do professor e, em muitas escolas, determina o currículo. Embora o material seja aprovado no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), ele não é isento de problemas e algumas dificuldades de se trabalhar o conteúdo redox podem vir das representações nos próprios livros, como explica a mestranda Anike Araujo Arnaud. Ela analisa livros de química utilizados no ensino fundamental 1 e 2 e no ensino médio, principalmente os que foram aprovados pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Em três coleções mais utilizadas no ensino fundamental, ela verifica a presença de temas pertinentes a reações redox. Nos livros aprovados para o ensino médio em 2018, avalia os modelos utilizados para ensinar reações redox.

Segundo Arnaud, os livros didáticos utilizados no ensino médio seguem um padrão: definem os termos das reações redox, ensinam a calcular o número de oxidação e a fazer balanceamento. Depois entram com células eletrolíticas, pilhas e eletrolise. Esses conteúdos muitas vezes são dados em anos diferentes. Embora a fotossíntese seja apresentada a crianças no ensino fundamental, os livros não trabalham com termos ligados às reações redox.

“Quando submetidos ao TALP, técnica de associação livre de palavras, quase todos os professores de química que participaram dos cursos e oficinas associam reações redox a pilhas e baterias, quase nunca aparece fotossíntese ou respiração, por exemplo”, observa Castro.

Nos últimos três anos, 277 professores de química do ensino médio participaram de oficinas e cursos desenvolvidos e ministrados pelo grupo de Fernandez.

E todos esses estudos são um pano de fundo para a investigação do Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (PCK, na sigla em inglês) dos professores de química sobre processos redox. O PCK representa o conhecimento que os professores utilizam no processo do ensino, distinguindo o professor de uma dada disciplina de um especialista dessa disciplina. Segundo Fernandez, o estudo do PCK é importante para compreender o desenvolvimento profissional e especialmente para contribuir para a formação dos professores. “Para ensinar não basta saber o conteúdo, é preciso rechear esse conteúdo com uma série de circunstâncias, de atividades e de estratégias para chegar ao aluno e conseguir contornar as concepções alternativas que ele vai ter daquele conteúdo”.

Concepções alternativas

As concepções alternativas não são simples erros. Elas têm consistência interna, são universais, persistentes e generalizadas, sendo encontradas tanto em professores como em estudantes de todos os níveis. E, evidentemente, representam um obstáculo à aprendizagem.

Muitas vezes, a linguagem pode ser responsável pela criação de uma concepção alternativa, pois muitas palavras utilizadas na ciência possuem significados diferentes da linguagem do cotidiano. Por exemplo, quando se fala em equilíbrio de uma reação química. A palavra equilíbrio remete a uma balança de dois pratos em estado estático. Na química, quando uma reação atinge o equilíbrio ela não para. Equilíbrio quer dizer que tanto a reação direta como a inversa ocorrem na mesma velocidade e a proporção entre os reagentes e os produtos não varia.

Também com sentido contraintuitivo, reduzir é ganhar elétrons e, em uma reação redox, o agente oxidante é reduzido e o agente redutor é oxidado. Aqui são questões de terminologia que interferem na compreensão dos conceitos.

Outro exemplo de obstáculo verbal é o fato de a palavra oxidação remeter ao oxigênio e, em alguns livros, o primeiro exemplo de reação redox ser uma reação que envolve o oxigênio. Uma concepção alternativa na área redox é considerar que as reações redox sempre envolvem o oxigênio.

Estudantes também costumam ter dificuldade em perceber que os processos de oxidação e redução são simultâneos. No caso, quando os professores trabalham a oxirredução, eles utilizam semi-reações para facilitar a visualização do processo. Mas acabam complicando, pois os alunos tendem a achar que oxidação e redução ocorrem independentemente.

Nas pesquisas, Fernandez e seu grupo procuram identificar as principais concepções alternativas sobre reações redox e entender como elas são formadas e reforçadas.