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Pesquisa mostra ação detox da carnosina em músculo humano

Estudo avaliou ciclistas suplementados com beta-alanina
PorBy Maria Celia Wider
• CEPIDRIDC Redoxoma
23/08/2018
São Paulo, Braszil

Diversos estudos nos últimos anos vêm associando a suplementação com o aminoácido beta-alanina a uma melhor performance em exercícios físicos de alta intensidade. O efeito seria devido ao aumento das concentrações intramusculares de carnosina, que teria um papel de tampão celular, mantendo o pH citosólico e a força de contração.

No entanto, pesquisadores do CEPID Redoxoma liderados pela professora Marisa H.G. Medeiros, do Instituto de Química da USP, investigam outro papel da carnosina, que traria efeitos ainda mais benéficos para o organismo: a detoxificação de aldeídos reativos. Em 2016 o grupo publicou um artigo no qual descreve a estrutura de um composto resultante da reação entre a carnosina e o aldeído acroleína encontrado em amostras de urina de adultos não fumantes (https://doi.org/10.1038/srep19348). O trabalho já mostrava o papel da carnosina na detoxificação celular, mas não fornecia informações sobre o local onde os adutos haviam sido formados.

Agora o grupo detectou adutos carnosina-acroleína em amostras de tecido muscular de ciclistas suplementados com beta-alanina após pratica de exercício intenso, demonstrando que a carnosina desempenha um papel de captação de acroleína no músculo esquelético.

“Nossos resultados revelam um dos papeis fisiológicos da carnosina muscular, especialmente durante o exercício intermitente de alta intensidade, e pode explicar seus efeitos ergogênicos e terapêuticos. A importância desse trabalho é o fato de mostrar mecanismos específicos da detoxificação de aldeídos reativos em amostras de tecido humano”, afirmou Medeiros.

O estudo, publicado em julho na revista Redox Biology, foi realizado em colaboração com os professores Guilherme Giannini Artioli e Bruno Gualano, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP.

Exercício físico e estresse oxidativo

A prática de exercício físico provoca aumento da peroxidação lipídica e da atividade das enzimas antioxidantes superóxido dismutase (SOD) e glutationa peroxidase (GPX). Isso quer dizer que exercícios físicos intensos provocam estresse oxidativo.

A peroxidação lipídica consiste em uma cascata de reações resultantes da oxidação de lipídios das membranas celulares. Ocorre tanto durante processos fisiológicos normais quanto durante processos patológicos, gerando uma mistura complexa de produtos oxidados de fosfolipídios, incluindo hidroperóxidos, que então se decompõem para formar aldeídos eletrofílicos reativos. Ao aumentar a peroxidação lipídica, os exercícios acabam levando ao aumento da produção de aldeídos, como acroleína (ACR), malondialdeído (MDA), 4-hidroxi-2-hexenal (HHE) e 4-hidroxi-2-nonenal (HNE), entre outros.

Muitos desses aldeídos têm propriedades mutagênicas e carcinogênicas. Eles são capazes de reagir com DNA e proteínas, comprometendo potencialmente a estrutura e a função destas biomoléculas. Portanto, reduzir a concentração de aldeídos é essencial para a função celular normal.

Para lidar com essas moléculas tóxicas, os organismos vivos desenvolveram mecanismos de defesa e de detoxificação. As principais vias endógenas de detoxificação são a conjugação de aldeídos com glutationa (GSH) e as reações de redução ou oxidação catalisadas por álcool desidrogenase, aldo-ceto redutase e aldeído desidrogenase. Além disso, dipeptídeos contendo histidina, como a carnosina, a homocarnosina e a anserina, também podem formar adutos com aldeídos e auxiliar na eliminação desses compostos.

A carnosina é um dipeptídeo formado pelos aminoácidos β-alanina e L-histidina. É encontrada em vários tecidos, sendo que nos músculos esqueléticos e no cérebro está presente em altas concentrações. Além da ingestão de carnes na alimentação, a forma mais efetiva de aumentar os níveis de carnosina nos tecidos é a suplementação com o aminoácido beta-alanina, um dos seus precursores.

Estudos mostram que a carnosina funciona como um tampão celular nos músculos esqueléticos, contribuindo para a melhora do desempenho físico de atletas. Ela também tem propriedades antiglicação, com possível ação no diabetes tipo 2 e na nefropatia diabética, e antioxidante, por sequestrar metais e detoxificar aldeídos reativos. Por estas razões, considera-se que a carnosina possa ter papéis fisiológicos relevantes na prevenção de doenças e esteja implicada no envelhecimento saudável.

Para Medeiros, a capacidade de sequestrar aldeídos é uma hipótese provável para explicar muitos dos efeitos atribuídos à carnosina. E, para testar essa hipótese, seu grupo desenvolveu uma metodologia ultrassensível e altamente específica, capaz de quantificar carnosina e seus adutos em tecidos humanos e fluidos biológicos, baseada em cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) acoplada a espectroscopia de massa em tandem (MS/MS). “Embora a carnosina seja conhecida dos cientistas há muito tempo, para desvendar os mecanismos pelos quais ela atua e conhecer seus alvos biológicos são necessárias técnicas que permitam mensurar o que está acontecendo nos tecidos”, afirmou.

Graphical Abstract
Carvalho, V.H. et al. Redox Biology, 18, 2018, 222-228, doi: 10.1016/j.redox.2018.07.009, Under a Creative Commons license – © 2018 The Authors. Published by Elsevier B.V.

O estudo

Com esse método, os pesquisadores analisaram amostras do músculo vasto lateral de 14 ciclistas, após testes de ciclismo intermitentes de alta intensidade, antes e depois de 28 dias de suplementação com beta-alanina. Eles quantificaram adutos de carnosina-acroleína (CAR-ACR), carnosina- 4-hidroxi-2-hexenal (CAR-HHE) e carnosina-4-hidroxi-2-nonenal (CAR-HNE).

Os dados mostraram que a suplementação com beta-alanina aumentou o conteúdo de carnosina muscular em cerca de 50% em comparação à pré-suplementação. Eles viram também que houve um aumento significativo da formação de adutos carnosina-acroleína após o exercício com a suplementação com beta-alanina. E o interessante é que nem o exercício sozinho nem apenas a suplementação aumentaram a formação de adutos. Esses resultados evidenciam que a carnosina funciona como um sequestrador de acroleína no músculo esquelético, o que é importante para a detoxificação de aldeídos gerados durante o exercício.

Segundo os pesquisadores, estes novos resultados podem não apenas beneficiar diretamente os atletas que participam de treinamento intensivo, mas também permitir que cientistas explorem o papel da carnosina muscular na detoxificação de aldeídos reativos em doenças caracterizadas por estresse oxidativo anormal.

O próximo passo do grupo será estudar os efeitos da suplementação com beta-alanina em um grupo de pessoas idosas. “Com o envelhecimento da população, é importante termos recursos que contribuam para a melhora da força muscular de idosos. Além disso, a carnosina também pode ser eficaz para combater a dor crônica, associada ao acúmulo de aldeídos”, disse Medeiros.

O artigo Exercise and β-alanine supplementation on carnosine-acrolein adduct in skeletal muscle, de Victor H. Carvalho, Ana H. S. Oliveira, Luana F. de Oliveira, Rafael P. da Silva, Paolo Di Mascio, Bruno Gualano, Guilherme G. Artioli e Marisa H. G. Medeiros, pode ser lido em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2213231718305408