Redoxoma

CEPID Redoxoma

RIDC Redoxoma


Pesquisador fala sobre biologia redox e morte celular por ferroptose em Seminário do Redoxoma

Seminário será realizado no Instituto de Química da USP
PorBy Maria Celia Wider
• CEPIDRIDC Redoxoma
02/05/2018
São Paulo, Braszil
English text unavailable

Ainda pouco conhecida, a ferroptose é um tipo de morte celular não programada, que envolve a participação de íons de ferro e tem um componente essencial de peroxidação lipídica. O ferro catalisa reações de decomposição de peróxidos lipídicos, gerando derivados lipídicos altamente reativos e tóxicos para a célula, como os radicais lipídicos alcoxila e peroxila, e derivados lipídicos eletrofílicos, como aldeídos e cetonas, dentre outros, capazes de promover modificações em biomoléculas.

José Pedro F. AngeliNo próximo dia 15 de maio, o CEPID Redoxoma receberá o pesquisador José Pedro F. Angeli, da Rudolf Virchow Center for Experimental Biomedicine, University of Wursburg, na Alemanha, que dará o seminário Ferroptosis: Metabolic regulation of a cell death pathway marked by lipid peroxidation, no qual abordará temas recentes de pesquisa na interface entre biologia redox e morte celular induzida por peróxidos e ferro.

Angeli foi aluno de doutorado do professor Paolo Di Mascio e trabalhou por um tempo com as professoras Marisa de Medeiros e Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química da USP e do CEPID Redoxoma, estudando mecanismos moleculares fisiológicos e patológicos envolvendo os hidroperóxidos de lipídeos, que são produtos primários formados na oxidação de membranas biológicas.

Em seu pós-doc no grupo de Marcus Conrad, do Institute of Developmental Genetics, Helmholtz Zentrum Munchem, o pesquisador participou de vários estudos importantes, publicados em revistas de alto impacto, os quais evidenciaram o papel essencial da enzima glutationa peroxidase 4 (GPx4) para a sobrevivência celular. A GPx4 é uma enzima antioxidante que exerce papel central no mecanismo de proteção de lipídeos de membrana. Por meio de sua ação peroxidase, ela converte peróxidos lipídicos (hidroperóxidos de fosfolipídeos e de colesterol) em hidróxidos, derivados menos reativos, protegendo as células de agentes oxidativos. Estudos liderados por Conrad demonstraram que a inibição ou a deleção desta enzima induz ferroptose.

“Minha ideia era avaliar a importância da peroxidação lipídica em modelos animais e celulares. Meu trabalho inicial foi caracterizar o modelo animal de deficiência para GPX4 e, a partir daí, fomos gerando modelos celulares para estudar. No pós-doc acabei me envolvendo mais com a engenharia genética para gerar novos modelos para estudar a peroxidação lipídica. E, por sorte, foi nessa época que surgiu a técnica de CRISPR-Cas9, que facilitou muito o trabalho”, conta Angeli, que atualmente lidera seu próprio grupo de pesquisa na University of Wursburg.

Ferroptose

Ele explica que as células podem morrer de várias formas e cada tipo de morte celular tem um impacto diferente no organismo. A morte por apoptose, por exemplo, no geral é imunosilenciosa, ou seja, não ativa o sistema imune. Já as mortes não apoptóticas, em sua maioria, ocorrem quando as células perdem a seletividade da membrana e extravasam os componentes intracelulares, que são reconhecidos pelo sistema imune e ativam uma cascata de reações que podem continuar propagando o dano.

“Mortes imunogênicas, como a ferroptose, podem ser vistas como um benefício, por exemplo, como terapia para alguns tipos de câncer, porque elas podem reativar o sistema imune. Em determinados tecidos, no entanto, a ferroptose pode desencadear um processo de inflamação crônica, que vai estimular mais morte e mais inflamação, gerando um ciclo vicioso, que pode estar envolvido em algumas patologias”.

Vários fatores envolvidos nesse tipo de morte celular, no entanto, ainda não foram esclarecidos. O que dispara a ferroptose? Que fatores determinam a susceptibilidade das células a esse tipo de morte? Por que a GPx4 é tão especial/essencial para a sobrevivência celular? Como inibir a ferroptose?

Essas são algumas das perguntas que os pesquisadores vêm explorando de maneira bastante elegante, utilizando modelos celulares e animais, além de uma grande variedade de ferramentas analíticas clássicas e avançadas de bioquímica e biologia molecular, como CRISPR/Cas9, microarray, proteômica, lipidômica, entre outros.

Em dois trabalhos publicados recentemente na revista Nature Chemical Biology, eles mostraram que a susceptibilidade das células à ferroptose é dependente da composição lipídica das membranas celulares. Células contendo ácidos graxos altamente insaturados como o ácido araquidônico ou ácido adrênico esterificados em fosfatidietanolamina são os substratos preferencialmente oxidados durante a ferroptose. Além disso, estudos oxi-lipidômicos detectaram a formação de hidroperóxidos de fosfatidiletanolamina, evidenciando a formação de hidroperóxidos de lipídeos específicos durante o processo de morte celular por ferroptose.

Mais recentemente, em um trabalho publicado na Cell com a colaboração do grupo da professora Sayuri Miyamoto, foi demonstrado o papel essencial do selênio, elemento que compõe o sítio ativo da enzima GPx4 na forma de selenocisteína.

No estudo foram utilizados camundongos contendo GPx4 mutante em que foi realizada a troca de selênio (selenocisteína) por enxofre (cisteína). Os camundongos contendo a enzima mutante não sobreviveram por mais de três semanas devido a complicações neurológicas. Em busca dos motivos desse efeito, os pesquisadores observaram a existência de uma subpopulação de neurônios que morre quando o selênio é substituído por enxofre no sítio ativo da enzima. Células contendo a enzima mutante (com cisteína) mostraram-se extremamente susceptíveis à morte induzida por diferentes peróxidos, entre eles peróxidos de colesterol. Analisando a estrutura da GPx4, tanto a mutante quanto a selvagem, por espectrometria de massas, foi possível identificar e quantificar um aumento expressivo de cisteína hiper-oxidada (na forma de ácido sulfônico) nas células que expressam a enzima mutante, contendo cisteína no sítio ativo, enquanto o mesmo não foi observado nas células normais/selvagens.

“Este trabalho mostrou pela primeira vez o papel crucial da GPx4 e a essencialidade do selênio no desenvolvimento de uma classe específica de neurônios. Além disso, os dados suportam a teoria de que o selênio no sítio ativo da enzima confere resistência à hiperoxidação, evitando assim sua inativação e subsequente ativação da via de ferroptose em condições de estresse oxidativo”, afirmou Miyamoto.

Para a pesquisadora, os dados não só mostram a essencialidade do selênio, mas também apontam para os mecanismos evolutivos que levaram alguns organismos - mamíferos, peixes, aves, nematoides e bactérias - a optar pela rota mais custosa e menos efetiva de síntese de proteínas contendo selenocisteína.

Segundo Angeli, “é surpreendente que, durante a evolução, tenha sido mantida a maquinaria de incorporação do selênio na GPx4, quando a cisteína poderia ter sido utilizada. O que a gente conseguiu entender é que a utilização de selenocisteína permitiu que as células tolerassem concentrações maiores de peróxidos, sem que ativassem a ferroptose. Possivelmente, a utilização do selênio foi necessária para a evolução de membranas lipídicas mais complexas, com mais lipídios poliinsaturados”.

Os pesquisadores destacam ainda que, por coincidência, o trabalho foi publicado no ano em que se comemoram os 200 anos da descoberta do selênio pelo químico sueco Jöns Jacob Berzelius.

O seminário será realizado no dia 15 de maio, às 12h, no Anfiteatro Paschoal Senise (Cinza), bloco 6 superior, no Instituto de Química da USP, e será transmitido por videoconferência para as instituições participantes do Redoxoma.

Veja aqui a programação completa dos Seminários Redoxoma 2018 http://redoxoma.iq.usp.br/paginas_view.php?idPagina=877