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Cientistas mostram que genes de proteínas envolvidas na regulação do citoesqueleto compartilham o mesmo locus gênico há cerca de 820 milhões de anos

PorBy Maria Celia Wider
• CEPIDRIDC Redoxoma
01/03/2018
São Paulo, Braszil
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Em estudo publicado na revista Redox Biology, a professora Flavia Carla Meotti, do Instituto de Química da USP e do CEPID Redoxoma, e seu grupo mostraram que o ácido úrico inibe a ação bactericida de leucócitos contra o patógeno Pseudomonas aeruginosa, ao interferir na produção do ácido hipocloroso, que é catalisada pela enzima mieloperoxidase. Ao inibir a ação microbicida, o ácido úrico também impede a liberação de citocinas inflamatórias. Os resultados deste trabalho abrem a possibilidade de se avaliar a contribuição do ácido úrico para a patogênese de infecções bacterianas.

“Há estudos clínicos que apontam uma correlação entre altos níveis de ácido úrico no sangue e um pior prognóstico em sepse. Como somos um laboratório de pesquisa básica, estamos abordando os mecanismos moleculares que explicam esses estudos clínicos. Nossos dados corroboram os efeitos do ácido úrico observados em pacientes”, afirmou Meotti.

O ácido úrico é o produto final do metabolismo de purinas em humanos e está presente em altas concentrações nos fluidos corporais. Sua ação dual, tanto anti quanto pró-oxidante, vem sendo estudada pelo grupo de Meotti há vários anos. Como antioxidante, o ácido úrico forma complexos com metais de transição, reage com o oxigênio singlete e com o ácido hipocloroso e neutraliza radicais livres de proteínas. Há evidências de que ele possa ter um efeito neuroprotetor contra doenças neurodegenerativas. Mas o ácido úrico pode ser também pró-oxidante, ao ser oxidado por um elétron e formar o radical livre de urato e o forte oxidante hidroperóxido de urato. O ácido úrico está associado à disfunção renal e endotelial, à hipertensão, à inflamação e a doenças cardiovasculares.

Em relação à infecção bacteriana, além dos estudos que relacionam os níveis de ácido úrico com a gravidade da sepse, também foi verificado que, no caso de pacientes com fibrose cística, a infecção pulmonar crônica por Pseudomonas aeruginosa torna o quadro mais grave, o que poderia indicar um papel do ácido úrico nessa patologia.

Neutrófilos

Os neutrófilos são células sanguíneas leucocitárias que fazem parte do sistema imune. Por terem capacidade de fagocitose, são as primeiras células recrutadas na defesa contra invasão microbiana em mamíferos. Quando microrganismos como bactérias invadem um tecido, os neutrófilos recebem um sinal químico e se dirigem para esse tecido, onde englobam as bactérias, formando vesículas chamadas fagossomos. Ali liberam proteínas granulares, que digerem microrganismos, e geram oxidantes, como o superóxido, o peróxido de hidrogênio e o ácido hipocloroso, em um processo chamado burst oxidativo. As proteínas liberadas agem sinergicamente com os oxidantes para matar e degradar as bactérias.

O ácido hipocloroso (HOCl) é considerado o mais potente microbicida gerado pelos neutróficos e sua produção é catalisada pela enzima mieloperoxidase (MPO), que usa o peróxido de hidrogênio para oxidar íons cloreto (Cl-), abundantes no fagossomo.

Acontece que a mieloperoxidase também usa o ácido úrico como substrato. A oxidação do ácido úrico pela mieloperoxidase e outras peroxidases gera o radical livre urato, que reage com o superóxido para formar o hidroperóxido de urato. Esta reação é particularmente relevante no fagossomo, onde existem quantidades abundantes de superóxido, peróxido de hidrogênio e mieloperoxidase. O hidroperóxido de urato é um oxidante forte e potencialmente bactericida.

Meotti e seu grupo já haviam verificado in vitro, com enzimas purificadas, que a mieloperoxidase podia usar o ácido úrico como substrato em vez do cloreto, mas, como ressalta a pesquisadora, eles queriam saber se o mesmo acontecia em neutrófilos humanos e se a oxidação do ácido úrico e a produção de hidroperóxido de urato afetavam a atividade dessas células de defesa.

Para realizar a investigação, eles incubaram células HL-60 diferenciadas em neutrófilos (dHL-60) com uma cepa altamente virulenta da bactéria Pseudomonas aeruginosa, na ausência e na presença do ácido úrico, utilizado na mesma concentração em que é encontrado no plasma. Depois de um tempo de incubação, era feita a contagem das bactérias sobreviventes. A Pseudomonas aeruginosa é uma bactéria oportunista e muito resistente, que está envolvida em infecções hospitalares e acomete pessoas com baixa imunidade, sendo um alvo interessante para pesquisas sobre mecanismos de virulência.

Em princípio, como explica Meotti, eles acreditavam que a presença do ácido úrico poderia potencializar a ação bactericida dos neutrófilos. Mas os resultados mostraram que ocorria justamente o contrário. Na presença do ácido úrico, o número de colônias de bactérias era maior, mostrando que a capacidade das células de defesa de eliminar os patógenos estava prejudicada.

Além disso, verificaram que o ácido úrico interfere na atividade funcional das células, inibindo a liberação das citocinas inflamatórias fator de necrose tumoral-α (TNF- α) e interleucina 1β (IL-1β). Essas citocinas são proteínas sinalizadoras liberadas por células humanas na presença de patógenos, que induzem uma resposta nas células vizinhas durante o desencadeamento das respostas imunes.

Os pesquisadores fizeram em seguida um ensaio de viabilidade celular e comprovaram que o ácido úrico estava afetando a funcionalidade das células de defesa, mas não era tóxico ao ponto de matá-las.

O próximo passo foi confirmar a hipótese de que a redução da atividade microbiana dos neutrófilos era causada pela diminuição nos níveis de ácido hipocloroso, na medida em que a mieloperoxidase oxidava o ácido úrico em detrimento do cloreto.

Segundo Meotti, a detecção de oxidantes em células é difícil, pois as sondas disponíveis são inespecíficas. Por isso, inicialmente, o grupo fez testes in vitro, incubando o sistema gerador do ácido hipocloroso com as bactérias e com o ácido úrico. Depois, utilizando uma recém lançada sonda fluorescente permeável à membrana celular que reage especificamente com o ácido hipocloroso, eles examinaram a produção do oxidante por microscopia confocal em células dHL-60 incubadas com a Pseudomonas aeruginosa na ausência e na presença de ácido úrico. Os resultados confirmaram que o ácido úrico inibe a produção do ácido hipocloroso e a consequente eliminação das bactérias.

“Com o uso da sonda fluorescente, confirmamos também em células que a formação do hidroperóxido de urato ocorre em detrimento da formação do ácido hipocloroso, pois o ácido úrico compete com o cloreto pela mieloperoxidase. Na presença do ácido úrico, as células de defesa continuam produzindo oxidantes, mas não aqueles de fato efetivos para matar as bactérias”, explicou Meotti.

Outro dado interessante obtido neste trabalho foi que, apesar de diminuir a produção do ácido hipocloroso, o ácido úrico provavelmente estimula a formação de outros oxidantes, mantendo o estado oxidativo da célula. Embora o mecanismo ainda não seja conhecido, os pesquisadores viram que, na presença do ácido úrico, há um aumento na produção do superóxido, que depende da enzima NADPH oxidase.

“O acido úrico age como antioxidante ao evitar a formação do oxidante ácido hipocloroso nos neutrófilos, mas também age como pró-oxidante ao estimular a produção de outros oxidantes nas mesmas células”, concluiu a pesquisadora.

Ácido úrico impede ação bactericida de células de defesa



Figura: traduzida e colorida a partir do "Graphical Abstract" de Redox Biology 16, 179-188 (2018), sob licença CC BY-NC-ND 4.0

O artigo Uric acid disrupts hypochlorous acid production and the bactericidal activity of HL-60 cells, de Larissa A.C. Carvalho, João P.P.B. Lopes, Gilberto H. Kaihami, Railmara P. Silva, Alexandre Bruni-Cardoso, Regina L. Baldini e Flavia C. Meotti, pode ser lido em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S221323171830034X