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Perfil de lipídios oxidados no plasma revela sinais de inflamação e hipermetabolismo em modelo de esclerose lateral amiotrófica (ELA)

Pesquisadores desenvolveram método de altíssima performance para analisar oxilipinas
PorBy Maria Celia Wider
• CEPIDRIDC Redoxoma
01/09/2023
São Paulo, Braszil

Os lipídios são uma classe diversificada de biomoléculas com inúmeras funções, desde a reserva de energia até a regulação de processos celulares fundamentais. Lipídios oxidados têm recebido muita atenção atualmente por estarem relacionados com estresse oxidativo, inflamação e sinalização celular. As oxilipinas, por exemplo, são moléculas derivadas da oxidação de ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs) que têm sido associadas a doenças neurodegenerativas.

Para traçar um perfil das oxilipinas na esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença neurodegenerativa fatal, cientistas do CEPID Redoxoma liderados pela pesquisadora Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química da USP, estabeleceram e validaram um método de altíssima performance baseado em cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas de alta resolução (LC-HRMS) para análise simultânea de 126 oxilipinas no plasma. Com essa ferramenta, eles analisaram o plasma de um modelo animal de ELA e descobriram oxilipinas alteradas nos animais sintomáticos que refletem estresse oxidativo, inflamação e hipermetabolismo lipídico. Segundo os pesquisadores, oxilipinas podem se tornar biomarcadores para o monitoramento da progressão da doença.

“O método foi a chave desse trabalho. A grande maioria dos métodos usa espectrometria de massas de baixa resolução para quantificar oxilipinas e outras moléculas, técnica com alta sensibilidade, mas não um poder muito grande de caracterização. Já com a espectrometria de massas de alta resolução, temos muito mais acurácia na caracterização das oxilipinas e ainda com alta sensibilidade. Unimos os dois aspectos mais relevantes e caracterizamos com o máximo possível de exatidão uma gama muito grande de oxilipinas”, afirma Adriano B. Chaves-Filho, que desenvolveu a pesquisa como projeto de pós-doutorado e é o primeiro autor do artigo, publicado na revista Free Radical Biology and Medicine.

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa caracterizada pela disfunção progressiva e morte dos neurônios motores no cérebro e na medula espinhal, que leva à atrofia muscular, paralisia e morte do paciente. Alterações no metabolismo lipídico, inflamação crônica e estresse oxidativo estão fortemente ligados à progressão da doença.

Oxilipinas

Para o estudo, os pesquisadores usaram ratos SOD1-G93A, que são animais transgênicos que super-expressam o gene da enzima Cu/Zn-superóxido dismutase humana e desenvolvem esclerose lateral amiotrófica. Eles examinaram o plasma de animais aos 70 dias de vida, quando ainda estão assintomáticos, e aos 120 dias, quando já apresentam os sintomas da doença. Como controle, usaram animais do tipo selvagem (WT) nas mesmas idades.

Oxilipinas derivadas do ácido araquidônico e ácido linoleico
Figura: Adriano B. Chaves-Filho.

“Construímos um método targeted, focado na quantificação de 126 oxilipinas. Obviamente a gente não encontra todas na amostra biológica. Encontramos 56 oxilipinas, das quais 17 estavam significantemente modificadas”, conta Chaves-Filho.

Os dados da análise revelaram que, no plasma de ratos com ELA, oxilipinas ligadas à inflamação e ao estresse oxidativo derivadas do ácido araquidônico, como prostaglandinas e mono-hidróxidos, estavam aumentadas. Por outro lado, oxilipinas derivadas do ácido linoleico envolvidas na absorção de ácidos graxos e na beta oxidação, chamadas DiHOMES, estavam diminuídas.

Esses DiHOMES estão relacionados ao processo de hipermetabolismo, que se caracteriza pela mobilização de ácidos graxos do tecido adiposo para beta-oxidação, devido a uma demanda maior de energia, levando à perda de peso. Em pacientes com ELA, quanto menor a quantidade de tecido adiposo, pior é o prognóstico. ”O hipermetabolismo é uma característica marcante nas pessoas com ELA, que sofrem uma severa perda de peso nos estágios finais da doença”, afirma Miyamoto. O grupo da pesquisadora agora vai investigar a fonte desses DiHOMES e a relação deles com o desenvolvimento da esclerose lateral amiotrófica.

Outro resultado interessante foi o aumento de cetonas derivadas do ácido araquidônico e do ácido linoleico tanto nos animais doentes sintomáticos quanto no grupo controle de 120 dias de vida, mostrando que a idade também modula o metabolismo das oxilipinas no plasma.

As oxilipinas são produtos derivados da oxidação de ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs), que são alvos de oxidação por mecanismos enzimáticos e não enzimáticos. De acordo com suas propriedades químicas, as oxilipinas podem ter diversas funções biológicas, agindo como moléculas sinalizadores, ao propagar sinais através das células, e modificando biomoléculas como proteínas e DNA. Elas podem ter atividades tanto pró-inflamatórias quanto pró-resolução. Uma das funções mais bem estabelecida de algumas oxilipinas como as prostaglandinas é a mediação de processos inflamatórios.

Segundo Chaves-Filho, essa pesquisa “também abre portas no contexto da doença para a investigação de mecanismos associados às alterações das oxilipinas. Porque o que a gente fez a princípio foi uma análise de discovery, que acaba fornecendo informações para que novas hipóteses possam ser investigadas”.

Os pesquisadores ressaltam que realizar uma análise global e abrangente de oxilipinas ainda é um desafio. “Elas são muito diversas e têm uma isomeria complexa: muitas delas compartilham a mesma fórmula molecular, a mesma quantidade de carbono, de oxigênio, de hidrogênio, só o arranjo desses átomos é diferente”. Soma-se a isso a instabilidade química dessas moléculas e sua baixa concentração em amostras biológicas.

Daí a importância da ferramenta de análise, que possibilita investigar o perfil das oxilipinas não só em ELA, mas também em outras patologias. “Seria interessante se a gente pudesse fazer um estudo comparativo da ELA com outras doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, por exemplo, e ver se esse perfil é diferente - porque o interessante quando a gente faz uma análise compreensiva é estabelecer um perfil, um painel de oxilipinas alteradas. A gente pode ter perfis diferentes que sejam bem característicos para cada doença”, explica Miyamoto.

A pesquisa foi realizada com apoio da FAPESP e da Neurodegenerative Disease Research, Inc. (NDR) e contou com a colaboração dos grupos dos pesquisadores Marisa H.G. Medeiros (IQ-USP), Isaías Glezer (UNIFESP), ambos do CEPID Redoxoma, e William T. Festuccia (ICB-USP).

O artigo Plasma oxylipin profiling by high resolution mass spectrometry reveal signatures of inflammation and hypermetabolism in amyotrophic lateral sclerosis, de Adriano B. Chaves-Filho, Larissa S. Diniz, Rosangela S. Santos, Rodrigo S. Lima, Hector Oreliana, Isabella F.D. Pinto, Lucas S. Dantas, Alex Inague, Rodrigo L. Faria, Marisa H.G. Medeiros, Isaías Glezer, William T. Festuccia, Marcos Y. Yoshinaga e Sayuri Miyamoto, pode ser lido aqui.